31 de dezembro de 2017

"Nunca pensei... É uma grande oportunidade e assim já ficam as portas abertas para o futuro"

Há um meses, Francisco Moreira celebrava uma vitória no arranque da Taça de Portugal de juniores. E não há muito tempo andava pelo ski a somar títulos nacionais e a representar o país numa modalidade com pouca tradição, mas pelo qual não perdeu o gosto. Agora é o ciclismo que recebe a sua total atenção e o talento não passou despercebido a José Santos que, apesar do ciclista ter apenas 18 anos, contratou-o para a Rádio Popular-Boavista. O jovem de Manteigas não imaginava que tão rapidamente estaria a competir com a elite nacional, mas enfrenta o desafio motivado e dedicado a não saltar passos na sua evolução, para assim singrar no pelotão nacional.

"Nunca pensei... É uma grande oportunidade e assim já ficam as portas abertas para o futuro. É um grande salto para o mundo do ciclismo", salientou Francisco Moreira ao Volta ao Ciclismo. A pretensão de construir uma equipa de sub-23 esbarrou nos regulamentos, pois não poderia haver duas formações do Boavista numa corrida (as formações deste escalão fazem grande parte do seu calendário juntamente com a elite). O que poderia parecer um entrave, acabou por ser um passo em frente para o jovem ciclista, que assim completa um plantel que conta com nomes como Filipe Cardoso, João Benta, Domingos Gonçalves (campeão nacional de contra-relógio), David Rodrigues (conterrâneo de Francisco Moreira) e o russo Egor Silin. "Só estava habituados a vê-los na televisão. São pessoas que estavam lá no cimo e agora tê-los como colegas de equipa... É um bocado esquisito", admitiu.

É o salto directamente para a elite, mas que foi muito ponderado. Francisco Moreira aconselhou-se com a família e conta ainda com o apoio do também ciclista João Matias. Apesar de não passar por uma equipa de sub-23, Moreira realçou que o director desportivo da Rádio Popular-Boavista, José Santos, conversou com ele sobre o que pretende para 2018 e não haverá a pressão de alcançar desde logo resultados. "Disse-me sobretudo para ir com calma, sem stress e ir aprendendo", referiu. O jovem ciclista irá ter a oportunidade de disputar algumas corridas e lutar, por exemplo, pela classificação da juventude. O seu calendário ainda não está definido, contudo, além de corridas em Portugal, também poderá ir a alguma prova lá fora.

"Como eu sou lá da neve antes de conhecer o ciclismo enveredei primeiro pelo ski. Mas Portugal é um país que em termos de neve é um bocado limitado e eu acabei por mudar"

A contratação de Francisco Moreira permite à Rádio Popular-Boavista ficar mais opções, ou seja, poderá haver uma maior gestão na utilização dos ciclistas. A Volta a Portugal não entra já nos horizontes de Moreira, mas a época dirá se até poderá tornar-se realidade o sonho de estar na principal corrida para o pelotão nacional. Porém, o jovem corredor só pensa em aproveitar ao máximo as oportunidades que lhe forem sendo dadas e, claro, aprender ao máximo com ciclistas que admira.

Não se cansa de dizer que está no ciclismo há apenas três anos, pelo que tudo lhe parece estar a acontecer muito rapidamente. Sorriu quando lhe é questionado sobre a fase do ski e recordou como até é um passado que também marca bons ciclistas da actualidade, como Primoz Roglic (Lotto-Jumbo), que venceu a última Volta ao Algarve. No caso do esloveno a especialidade eram os saltos. "Como eu sou lá da neve antes de conhecer o ciclismo enveredei primeiro pelo ski. Em Manteigas [de onde é] há uma pista sintética e comecei por lá. Depois o seleccionador falou comigo e comecei a representar Portugal e fui campeão nacional. Mas Portugal é um país que em termos de neve é um bocado limitado e eu acabei por mudar. O meu pai já era amante de ciclismo e do BTT e eu comecei a vê-lo. Não estamos tão dependentes da neve!"

Esta época começou com uma vitória que Francisco Moreira não esperava que chegasse tão cedo e que ainda hoje a revive: "É um momento marcante e que me dá motivação porque mostra que sou capaz e que consigo andar com os melhores. Recordo no fim de abraçar o professor Matias. Se não fosse ele eu não andava no ciclismo. Devo-lhe tudo o que sou. Aquele momento que ataquei e fui isolado para a meta... depois estar com o senhor Poeira [seleccionador nacional]... Foi tudo muito bom!" E não foi um resultado positivo esporádico. A época ficou marcada por uma grande regularidade, com top 10 e 20.

Agora a realidade será outra, mas o ciclista demonstra estar bem ciente do que irá encontrar e do que tem de fazer. "É um passo muito grande. É sobretudo mudar um bocado o chip, mudar a mentalidade, não se pode querer ser logo o melhor em sub-23 de modo a crescer gradualmente, de forma sustentada para assim progredir devagar e bem. Será um andamento completamente diferente, a quilometragem, o ritmo... mas espero que corra bem", disse.

"Sou algo possante fisicamente, ando bem no contra-relógio, mas também já demonstrei que me adapto bem a provas por etapas e que consigo defender-me na montanha... Bom, também venho da Serra da Estrela!"

Francisco Moreira começou a tirar o curso de Reabilitação Psico-Motora, na Faculdade de Motricidade Humana, em Oeiras, e quer conciliar os estudos com o ciclismo. "Dizem muito que quem vai para a faculdade perde-se um bocado, mas acho que se tiver cabeça e fazer as coisas certas é possível e eu nem tenho um horário muito carregado, o que me permite conciliar bem o ciclismo", frisou. Acrescentou que está numa modalidade que exige "muito rigor" e que está dedicado em fazer o que é necessário para ser um bom ciclista: "Às vezes vou logo treinar às seis da manhã e às vezes tenho 2 horas de almoço e uma e meia é passada no ginásio. É preciso deitar cedo, comer bem e tudo junto é que faz o bolo."

O ano ficou ainda marcado por idas à selecção nacional e a pista também entrou e irá continuar a entrar nos planos de Francisco Moreira. No futuro, gostaria de fazer uma Volta a França, mas não só: "Seduz-me sobretudo fazer um dia clássicas porque eu sou mais entroncado, rolo bem e gosto do pavé. Sou algo possante fisicamente, ando bem no contra-relógio, mas também já demonstrei que me adapto bem a provas por etapas e que consigo defender-me na montanha... Bom, também venho da Serra da Estrela!"

Agora que se prepara para deixar a ACR Roriz, destacou como a equipa sempre incutiu nos seus ciclistas a prática de várias vertentes, de forma a estimular os jovens na prática da modalidade não só na estrada, mas também no BTT, ciclocrosse e pista. E sobre esta última vertente, a influência de João Matias é natural e Francisco Moreira destacou como é importante para a sua evolução: "A pista é uma excelente preparação. Como ando há pouco tempo no ciclismo, dá-me técnica para progredir melhor, já que eu não estive nas escolinhas e nas camadas jovens."

Começa um enorme desafio para Francisco Moreira, que dificilmente poderia estar mais entusiasmado e motivado para dar o seu melhor. João Matias, que tanto o tem ajudado e continuará a ser um forte apoio, é ciclista da Vito-Feirense-BlackJack e o jovem corredor afirmou, deixando escapar uma pequena gargalhada: "Ele avisou-me, amigos, amigos, negócio à parte."


Amaro Antunes eleito o melhor ciclista português pelos leitores do Volta ao Ciclismo

Amaro Antunes prepara-se para um novo desafio na carreira na CCC Sprandi Polkowice, mas o 2017 ao serviço da W52-FC Porto foi memorável na carreira do algarvio. Foi apenas um ano, o suficiente para deixar a sua marca em mais uma época dominadora por parte da equipa do Sobrado. Amaro Antunes conquistou grandes vitórias, foi importante na conquista da Volta a Portugal por parte de Raúl Alarcón e ainda venceu o ranking nacional.

O ciclista, de 27 anos, recebeu 61% dos votos, deixando a concorrência muito longe. Rui Costa (UAE Team Emirates) foi o segundo mais votado, tendo 15% da preferência, seguindo-se Nelson Oliveira (Movistar), com 13%. José Gonçalves (Katusha-Alpecin) - o mais votado em 2016 - ficou com 4%, menos um que Frederico Figueiredo (Sporting-Tavira).

Quanto a Amaro Antunes teve um ano com tantos momentos brilhantes que quase se torna difícil escolher qual o mais marcante. Quase, porque ganhar no Alto do Malhão, na Volta ao Algarve, foi inevitavelmente especial. Ainda antes de correr em casa mostrou-se em Espanha, na Volta à Comunidade Valenciana. Ali, Amaro esteve ao lado de Nairo Quintana, tendo terminado nesse dia em terceiro.

Após o triunfo no Malhão, ganhou a Clássica da Arrábida e a etapa do Montejunto e a geral do Troféu Joaquim Agostinho. Na Volta a Portugal acabou por trabalhar para Raúl Alarcón e fez uma subida à Serra da Estrela avassaladora e decisiva para selar a Volta para o colega. Amaro ficou com a etapa e a classificação da montanha. Falamos aqui de vitórias, mas a época foi rica em resultados quase sempre entre os melhores.

A escolha de assinar pela W52-FC Porto não podia ter sido mais acertada, depois do anúncio do fim da LA Alumínios-Antarte. No entanto, com exibições que realizou, seria estranho não aparecer uma boa proposta para outros voos. O World Tour abriu-lhe as portas, mas o desejo de ter a oportunidade de continuar a lutar por vitórias, agora em algumas das mais importantes competições mundiais, fê-lo escolher a equipa polaca da CCC Sprandi Polkowice, do segundo escalão. Apesar de ser um dos objectivos de início de temporada, Amaro Antunes não estará na "sua" Volta ao Algarve, pois a CCC acabou por ficar sem um convite. Porém, haverá certamente oportunidades para estar a competir entre os melhores, já que estará numa equipa que este ano esteve na Volta a Itália, por exemplo.

»»Amaro Antunes: "Tomei a decisão correcta. Numa equipa World Tour não seria líder"««

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30 de dezembro de 2017

2017 marcou o final de carreira de algumas grandes figuras do ciclismo

(Fotografia: Twitter Alberto Contador)
Esta temporada foi a última para alguns ciclistas que marcaram o pelotão na última década (ou mais) no ciclismo. O destino quis que dois dos mais idolatrados decidem-se que tinha chegado o momento em 2017. Primeiro foi Tom Boonen, que escolheu o "seu" Paris-Roubaix para última corrida. Meses depois Alberto Contador considerou que a Vuelta seria o palco ideal para dar as últimas pedaladas. Sem as vitórias do belga e do espanhol, Thomas Voeckler também deixou a sua marca. Por cá, o ciclismo nacional despediu-se de Rui Sousa, uma referência da modalidade que desta vez não adiou mais o abandono, mas antes teve um derradeiro grande momento na Volta a Portugal.

Aqui ficam alguns dos abandonos que marcam 2017.

Alberto Contador, 35 anos
Apostou a época na Volta a França e a Trek-Segafredo deu-lhe essa liberdade. No entanto, Alberto Contador não conseguiu ser uma ameaça a Chris Froome e à concorrência mais forte. O espanhol percebeu que o seu melhor já tinha passado e anunciou que a Vuelta seria a última corrida. Sonhava com um final perfeito, mas logo na primeira etapa de montanha, Contador ficou praticamente fora das contas. Foi recuperando, mas se tudo o que correu mal levou até àquela subida no Angliru, então valeu a pena a espera por um último disparo de El Pistolero. Uma última grande exibição! E foi mesmo! Seguiu-se aquela volta de glória em Madrid antes do pelotão discutir a etapa. Ponto final na carreira de um dos melhores da história do ciclismo. Dois Tours e dois Giros, três Vueltas, sete Voltas ao País Basco, dois Paris-Nice... 68 vitórias no total e muito espectáculo.

Mas Espanha viu ainda mais ciclistas abandonarem o ciclismo: Ángel Vicioso (40) e Alberto Losada (35), ambos da Katusha-Alpecin, Haimar Zubeldia (40) e um dos fiéis escudeiros de Contador, Jesús Hernández (36), da Trek-Segafredo. É altura da nova geração espanhola se mostrar.

Tom Boonen, 37 anos
Um dos reis das clássicas. Há um ano foi Fabian Cancellara, agora o ciclismo ficou sem o outro grande animador das corridas de um dia dos últimos anos. Boonen já estava algo afastado das grandes exibições, mas apareceu em 2017 convicto que poderia ter uma despedida em grande. Estava marcada logo para Abril, no Paris-Roubaix. Queria sair com uma quinta conquista, algo que o tornaria no primeiro a alcançar esse número. Não houve final de conto de fadas, mas o seu nome foi ecoado antes e depois por muitos adeptos. Boonen é um ícone que será recordado pelos incríveis números e exibições. 119 vitórias e além dos quatros monumentos em França, tem ainda mais três na Volta a Flandres, seis etapas no Tour e o título mundial, em 2005.

Thomas Voeckler, 38 anos
Não será recordado pelas grandes vitórias como Contador e Boonen, mas aquele estilo inconfundível do francês não será esquecido. Um lutador nato, aquela língua de fora não enganava quem estava ali. Aquela Volta a França em 2011 foi um dos seus grandes momentos. Foram 10 dias de amarelo e praticamente em todos se dizia que iria perdê-la. De facto acabou por ficar sem ela, mas foi incrível como enfrentou tudo e todos, quebrando as expectativas. Faltou-lhe um pódio para talvez consagrar a sua carreira, mas entre as 40 vitórias, quatro são de etapas no Tour, corrida que escolheu para este ano se despedir.

Andrew Talansky, 29 anos
Quando parecia que o americano estava a recuperar alguma confiança para tentar ainda confirmar um pouco do que tanto se esperava dele, Talansky provocou uma enorme surpresa ao anunciar que colocava um ponto final numa carreira que tanto prometeu, mas que nunca se confirmou. Talansky sentiu que estava na altura de procurar novos desafios e encontrou-os no triatlo, modalidade na qual já ganha. As sete vitórias, destacando-se o Critérium du Dauphiné, em 2014, sabem a pouco.

Tyler Farrar, 33 anos
Mais um ciclista que ficou um pouco aquém das expectativas. No início da década, Farrar prometeu muito com vitórias no Giro (duas), na Vuelta (três) e no Tour (uma). Porém, foi-se eclipsando e apesar da mudança para a então MTN-Qhubeka, actual Dimension Data, não conseguiu encontrar a sua melhor forma, para fazer frente aos principais sprinters. A equipa sul-africana confiava no americano, que soube sempre ser um ciclista que pensava no colectivo e não apenas no sucesso pessoal.

Jurgen van der Broeck, 34 anos
Quando se fala de ciclistas que não concretizaram todo o seu potencial, o que será o que os belgas dirão de Van der Broeck? Fez praticamente toda a sua carreira na estrutura da Lotto e ano após ano foi considerado um candidato a algo mais que um top dez numa grande volta. Mas nunca foi além disso, de um candidato e de um ciclista de top dez, que alcançou no Giro, Tour e Vuelta. Só tem duas vitórias: um título nacional de contra-relógio e uma etapa do Critérium du Dauphiné. Esteve um ano na Katusha-Alpecin e outro na Lotto-Jumbo, mas já praticamente ninguém se lembrava que estava sequer em prova, tão discretas foram as performances. Qualidades de trepador e voltista tinha, mas nunca conseguiu estar ao nível das principais figuras. Faltou-lhe equipa em alguns momentos, mas também pareceu faltar... aquele clique.

Adriano Malori, 29 anos
Teve uma recuperação considerada milagrosa depois de uma queda na Argentina que o deixou em coma. Porém, o italiano não mais conseguiu encontrar o ritmo necessário para estar ao mais alto nível no pelotão. Nas poucas provas em que participou, inclusivamente na Volta ao Alentejo, não as terminou e percebeu que a sua carreira tinha chegado ao fim. Anunciou durante a Volta a França, com a Movistar a perder um excelente homem de trabalho, com capacidade para também ele tentar algumas vitórias, sendo ainda um dos melhores contra-relogistas da actualidade.

Christophe Riblon, 36 anos
Foi toda uma carreira na AG2R. Tanto foi um fiel homem de trabalho, como soube mostrar-se quando lhe foi dada alguma liberdade. Ganhou duas etapas no Tour, o que para um francês ser mais especial, só se estiver no pódio nos Campos Elísios. Porém, o ciclismo tem destas coisas. Uma carreira dedicada a uma equipa que não lhe renovou agora o contrato. Riblon não estava a pensar em retirar-se, mas não conseguiu lugar noutra equipa e optou pelo adeus.

Rui Sousa, 41 anos
Foram mais de 20 anos no pelotão nacional. Rui Sousa tornou-se numa das vozes mais importantes do ciclismo nacional e num ciclista admirado por muitos. A sua forma de correr, sempre com garra, sempre com vontade de dar espectáculo e de procurar vitórias transformaram Rui Sousa num dos ciclistas com mais adeptos. Esteve para retirar-se em 2016, mas cedeu aos pedidos dos fãs e da equipa, Rádio Popular-Boavista, para competir mais um ano. Estava decidido que 2017 seria mesmo o último e se lutar pela Volta a Portugal cedo terminou, Fafe foi o palco de um último espectáculo bem ao seu estilo. Cortou a meta isolado, aplaudido por todos. O adeus merecido. Pódios e top dez tornaram-se normais, mas faltou-lhe a vitória na geral. De recordar que fez a Volta a Espanha em 2002, terminando na 16ª posição.

Mais algumas despedidas: Paolo Tiralongo (Astana), Manuel Quinziato e Martin Elmiger (BMC), Martin Velits (Quick-Step Floors), Twan Castelijns (Lotto-Jumbo), Cédric Pineau (FDJ), Ondrej Cink (Bahrain-Merida), Albert Timmer (Team Sunweb) e Lars Peter Nordhaug (Aqua Blue Sport).

»»Houve mesmo um último disparo. Gracias Contador««

»»A promessa nunca confirmada que acaba a carreira aos 28 anos««

29 de dezembro de 2017

Está a cumprir 12 anos de suspensão, mas quer voltar a competir aos 40. Nem que tenha de criar uma equipa

(Fotografia: IPAFoto.nl/Wikimedia Commons)
Ricardo Riccò estava a ter uma ascensão meteórica no ciclismo. Foram as vitórias e outras grandes exibições que o tornaram rapidamente num corredor mediático e com a Itália a vê-lo como possível ídolo, mas a não conseguir evitar uma certa desconfiança. E o ciclista acabaria por confirmar o pior, tornando-se numa ovelha negra que a modalidade tenta esquecer, mas que uma declaração colocou-o de novo no centro das atenções: "Mais cedo ou mais tarde, eu vou voltar a competir."

A frase dita numa entrevista à Gazzetta dello Sport causou certamente um calafrio a muitas pessoas, numa altura em que o caso Chris Froome engrossou de novo a nuvem de suspeição que paira sobre o ciclismo e não ajuda Lance Armstrong ter uma tendência a reaparecer, sempre em grande estilo. Agora foi por ter sido convidado a estar num evento ligado à Volta a Flandres. Portanto, o ressurgimento de Riccò tem um timing... de causar vários calafrios só de se pensar na hipótese que dificilmente será mais remota.

Doze anos de suspensão terminariam com a carreira de qualquer atleta. Seja qual for a sua idade. Ou pelo menos assim se pensaria. Mesmo que queira regressar, quem confiaria dar um contrato a alguém com a reputação completamente manchada, ainda mais numa modalidade como o ciclismo que vive dos patrocínios? Para Riccò isso não é um problema: "Se nenhuma equipa me quiser, então eu criarei a minha própria equipa." Lá tempo para preparar o regresso Riccò tem, pois só poderá voltar em 2024, quando tiver 40 anos. "Ainda serei competitivo", garantiu, salientando que se estivesse a treinar agora, estaria melhor do que nunca, exemplificando com alguns ciclistas com quem competiu e que agora estão em bons momentos de forma.

Até este hipotético regresso, Riccò vai continuar dedicado à sua loja de gelados, que abriu em Tenerife. Até vende para cães e afirmou que o negócio corre-lhe bem. Continua a andar de bicicleta, ainda que sem grande intensidade, dizendo que vai assistindo a algumas corridas. Elogia Vincenzo Nibali, ciclista da sua geração, gosta de Fabio Aru e apelida Peter Sagan de "único".

Inevitavelmente falou-se de doping. Sobre a sua suspensão, considera ter sido tão pesada porque sempre disse o que pensava. "Também nunca tive ninguém a ajudar-me. Comparativamente, o [Ivan] Basso tem sido bom em vender a sua imagem aos meios de comunicação. É uma das suas qualidades. Também se rodeou das pessoas certas", salientou. Recordou que quando foi apanhado "todos desapareceram", acusando os empresários dos ciclistas e os directores desportivos de apenas pensarem em dinheiro, considerando ainda que os familiares dos corredores mais jovens têm igualmente responsabilidade se estes recorrerem ao doping.

Recuando um pouco aos primeiros passos no profissionalismo de Ricardo Riccò. O italiano não conseguiu mais cedo um contrato porque a percentagem de hematócritos (volume de glóbulos vermelhos) era elevada. Ultrapassava os 50% que normalmente levanta suspeitas de doping, ainda que possa ser de facto normal em algumas pessoas. O então director desportivo da Saunier Duval, Mauro Gianetti, levou o ciclista até à UCI para realizar exames que mostrassem que Riccò tinha uma percentagem elevada normal e não por recorrer a substâncias proibidas. Foi-lhe dada luz verde. Estávamos em 2006 e mesmo com o passe dado pelo organismo, Riccò não se livrou de alguns comentários nos bastidores (e não só).

Dois anos depois, Riccò foi um dos três ciclistas que acusou CERA (também conhecida por EPO de terceira geração) no Tour e sempre assegurou que havia mais a desrespeitar as regras. Tudo mais pareceu uma telenovela, com o ciclista a começar por desmentir depois de passar uma noite na esquadra da polícia, depois admitiu, até acusou quem o ajudou e pelo meio soube-se que o italiano tinha tentado fugir na quarta etapa ao controlo anti-doping (seria esse que daria positivo) o que fez com que começasse a ser chamado todos os dias. Foi suspenso, regressando à competição em 2010, na então Vancansoleil. No início de 2011, Riccò correu risco de vida. Os relatos dão conta que terá feito uma auto-transfusão de sangue que estaria contaminado. Entre sépsis e falha nos rins, o ciclista esteve internado duas semanas. Acabou despedido e no ano seguinte veio a suspensão de 12 anos. De nada valeu recorrer ao Tribunal Arbitral do Desporto.

Riccò recordou aquele momento que poderia ter sido fatal. Afirmou que nunca receou estar a colocar em perigo a sua vida, pois apenas tinha medo de ser apanhado. Disse ainda que não era estúpido e que "não guardava o sangue no frigorífico junto dos vegetais". "Tinha um frigorífico especial para isso", garantiu.

Questionado sobre o ciclismo actual, Riccò respondeu com perguntas: "Estão limpos agora? Tem a certeza? Estou fora desse mundo, por isso não sei. O que acha?" Acrescentou que prefere o "doping químico" ao "doping mecânico". "Pelo menos tens a coragem de correr os teus próprios riscos. O doping mecânico significa um desporto diferente. Nunca consegui usá-lo. Sentir-me-ia como merda", salientou. E mais uma frase de uma entrevista que está a ter enorme repercussão nos media internacionais: "Penso que o [doping] químico ajuda sendo controlado medicamente, mesmo que o chamem de doping. Faz menos danos do que o esforço de correr a Volta a França a pão e água."

Não há dúvidas que Riccardo Riccò conseguiu ter mais uns minutos de fama, ou pelo menos de atenção. Agora é esperar para vez se a 19 de Janeiro de 2024 estará novamente na estrada, numa equipa que o próprio criará, ou se regressa à discreta vida de um empresário dedicado ao negócio dos gelados, longe do ciclismo.

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28 de dezembro de 2017

"Quero um 2018 em grande"

Seja na estrada ou na pista, Ivo Oliveira quer que 2018 seja um ano para recordar. Por um lado quer afirmar-se na Axeon Hagens Berman e ter a oportunidade de se mostrar tanto no trabalho para a equipa, como em procurar um sucesso pessoal. Por outro, os Mundiais de pista na Holanda são um objectivo no início da temporada. O ano que passou na estrutura americana, considerada uma das melhores na formação de jovens ciclistas, foi de adaptação a uma realidade diferente. Um novo ritmo não só nas corridas, mas também nos treinos, uma forma mais intensa de trabalhar. É o próprio Ivo Oliveira que assim o destaca. A aprendizagem vai continuar, mas a ambição do ciclista de Gaia sobe agora nível.

"Trabalhei muito este ano para a minha equipa e sei que também tenho capacidade para eles poderem contar comigo talvez para vencer uma etapa ou outra. Mas tenho de ser eu a mostrar-lhes que também consigo ganhar. Queremos sempre a nossa oportunidade e se eu continuar assim, eles vão confiar em mim e um dia talvez a tenha", realçou Ivo Oliveira ao Volta ao Ciclismo, que deixou bem claro: "Quero um 2018 em grande." O ciclista considerou 2017 um bom ano, mas lamentou ter partido o braço quando estava num bom momento de forma. "As coisas complicaram-se um bocado. Tive de recuperar da fractura, mas depois disso consegui estar bem nos Mundiais de estrada. Antes disso também fiz bons resultados com a minha equipa. Tive provas por etapas muito duras em que fiz o que me mandaram e trabalhámos muito bem", salientou.

O mês de Junho começou com a vitória no prólogo do Grande Prémio de Priessnitz, na República Checa e um quarto lugar na etapa inaugural do Giro de sub-23, ganha pelo companheiro, Neilson Powless. "Foi pena ter partido o braço a meio da época quando estava a trabalhar muito bem para os campeonatos nacionais e para a Volta a França do Futuro, talvez para o Colorado..." Porém, Ivo Oliveira não se deixou abater e realçou como começou a notar a sua evolução com o passar dos meses de trabalho na Axeon Hagens Berman, equipa liderada por Axel Merckx.

"Comecei a trabalhar mais horas. É mais complicado, mas algum dia tinha de ser e senti logo a diferença"

"Com o Axel trabalhei pouco, apenas no Giro d'Italia e no estágio da equipa. Mas gostei muito. Nota-se que esta equipa só está a pensar no nosso desenvolvimento. Nós podemos estar em provas muito boas, mas eles estão mais focados nas de sub-23, nas corridas continentais, porque pensam mais no nosso desenvolvimento do que talvez andar para aí a matar-nos, digamos assim", afirmou. Ivo Oliveira recordou como teve de mudar o seu método de treino quando assinou pela equipa americana: "Comecei a trabalhar mais horas. É mais complicado, mas algum dia tinha de ser e senti logo a diferença. Comecei a trabalhar mais duro porque a este nível tem de se o fazer na medida de um profissional."

Apesar de ser uma estrutura muito concentrada no desenvolvimento dos ciclistas e os resultados estão há vista com mais de 20 a já terem passado para o World Tour, a Hagens Berman Axeon, como se irá chamar em 2018, pediu e conseguiu a licença para subir ao escalão Profissional Continental. As portas de outras corridas irão abrir-se, a começar pela Volta a Califórnia, a principal corrida nos EUA e que este ano passou a integrar o calendário principal. Ivo Oliveira coloca desde já a presença na Califórnia como um dos objectivos da temporada, caso a equipa receba o convite. Pretende também estar novamente no Giro.

Mas antes, o pensamento estará na pista, com os Mundiais de Apeldoorn (de 29 de Fevereiro a 4 de Março). "Os principais objectivos também passam por aí", frisou. E em Agosto arrancará a fase olímpica. Queremos sonhar. Temos muitas possibilidades de estar lá", disse Ivo Oliveira, que assegurou existir uma grande união na selecção, com todos preparados para somar pontos, mesmo que seja para ajudar outro ciclista a estar em Tóquio2020. "Precisamos uns dos outros."

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»»Gabriel Mendes: "Os gémeos Oliveira são um exemplo que outros quererão seguir"««

Tony Martin e Arnaud Démare inscritos na Volta ao Algarve

Martin já não vestirá a camisola do arco-íris na próxima Volta ao Algarve,
mas procurará a terceira vitória na corrida
O arranque da época aproxima-se e os calendários dos ciclistas vão sendo definidos. Com a Volta ao Algarve preparada para arrancar em Albufeira a 14 de Fevereiro, os primeiros nomes começam a ser inscritos para a 44ª edição. Tony Martin é já uma figura habitual na Algarvia e Arnaud Démare também estará de regresso. Entre os portugueses que estão em equipas estrangeiras, quatro já estão nas listas enviadas à organização: José Gonçalves, Tiago Machado, Rafael Reis e Joaquim Silva.

Tony Martin pode não estar a atravessar o melhor momento da sua carreira, mas procura em 2018 compensar um ano de estreia na Katusha-Alpecin que ficou muito aquém do esperado. O quatro vezes campeão do mundo de contra-relógio quer estar bem neste início de temporada, pois está de olho nas clássicas da primavera. O alemão de 32 anos tem boas memórias da Volta ao Algarve, tendo vencido a corrida em 2011 e 2013. Martin tem condições para aspirar a outro triunfo, tendo em conta que o contra-relógio até tem potencial para o beneficiar. No entanto, a equipa levará outro forte candidato: Simon Spilak

José Azevedo tem como objectivo de temporada para o esloveno precisamente as corridas de uma semana, aproveitando assim as características deste ciclista que este ano ganhou a Volta a Suíça pela segunda vez na carreira. Jhonatan Restrepo é mais uma das promessas colombianas no pelotão internacional. O jovem de 23 anos quer fazer de 2018 a época da sua afirmação. As clássicas são o seu forte, mas aos poucos vai também mostrando que corridas como a Algarvia podem assentar-lhe bem, numa altura em que vai melhorando nas subidas. Robert Kiserlovski e Maurits Lammertink tanto podem ser uma boa ajuda, como podem tentar surpreender numa fuga. Os portugueses José Gonçalves e Tiago Machado completam a Katusha-Alpecin, ficando-se à espera de ver se terão liberdade, ainda mais estando a competir no seu país. Marcel Kittel, a grande contratação para 2018 e que já venceu na Algarvia, não está entre os nomes inscritos.

A FDJ traz um conjunto muito a pensar em Arnaud Démare. O sprinter campeão nacional francês é mais um ciclista que irá estar a preparar a fase das clássicas. Ignatas Konovalovas (campeão de estrada e de contra-relógio da Lituânia), David Cimolai, Jacopo Guarnieri e o reforço Antoine Duchesne (canadiano da Direct Energie) deverão estar mais no apoio a Démare, com o jovem Olivier le Gac (24 anos) a ter uma oportunidade para mostrar as suas qualidades, ainda que para a geral a aposta deverá ser o holandês - e mais um campeão nacional - Ramon Sinkeldam. O ciclista deixou a Sunweb para ter um papel de mais destaque e na Algarvia terá a possibilidade de começar a afirmar-se desde o início da temporada na FDJ.

Quanto à Caja Rural, os destaques vão inevitavelmente para os dois portugueses. Rafael Reis prepara-se para cumprir o segundo ano na estrutura espanhola do escalão Profissional Continental e irá ter ao seu lado em 2018 Joaquim Silva que, tal como Rafael, representou a W52-FC Porto. Ambos poderão ter um papel de destaque numa equipa que irá trazer ao Algarve ciclistas muito jovens. Rafael e Joaquim são mesmo os mais velhos (25 anos). Josu Zabala, Gonzalo Serrano, Mauricio Moreira, Miguel Ángel Benito e Julen Amezqueta são os eleitos.

De recordar que estas são listas de pré-inscritos e que podem sofrer alterações. A Dimension Data ainda não confirmou os seus ciclistas, mas Louis Meintjes foi o primeiro a anunciar que pretendia estar na Volta ao Algarve, de forma a preparar a estreia na Giro. Geraint Thomas (Sky) - vencedor em 2015 e 2016 - e Peter Kennaugh (Bora-Hansgrohe) também estarão presentes.

A Volta ao Algarve decorre entre 14 e 18 de Fevereiro e contará com um recorde de equipas do World Tour: 13. Veja aqui o percurso.


27 de dezembro de 2017

Vídeo-árbitro chega ao ciclismo e logo nas principais corridas

O caso Sagan no Tour acabou por levar à aplicação do VAR em 2018
(Imagem: print screen)
A UCI não perdeu tempo. Em três semanas passou das palavras à prática e 2018 irá marcar a estreia do vídeo-árbitro. A opção de implementar este sistema foi anunciada quando foi enterrado o machado de guerra com a Bora-Hansgrohe. A expulsão de Peter Sagan do último Tour, após ter estado envolvido na violenta queda de Mark Cavendish durante um sprint, esteve no centro de uma das grandes polémicas do ano. Apesar de não ter sido assumido publicamente que a sanção terá sido demasiado severa, foi então decidido aplicar o sistema conhecido por VAR (sigla em inglês para video assistant referee, isto é, árbitro assistente de vídeo).

Ao contrário do que tem acontecido no futebol, por exemplo, os testes vão ser feitos logo nas principais corridas, ou seja, nas três grandes voltas (Giro, Tour e Vuelta), em quatro dos cinco monumentos (Milano-Sanremo, Volta a Flandres, Paris-Roubaix e Liège-Bastogne-Liège, ficando a Il Lombardia de fora) e nos Mundiais de Innsbruck, na Áustria. E como vai funcionar? Para começar foram eleitos quatro árbitros: um belga, um espanhol, um francês e um italiano. Um deles será sempre escolhido para completar a equipa de quatro juízes. Ficará responsável por verificar através das imagens captadas pelas câmaras da transmissão televisiva se há irregularidades.

Porém, haverá uma grande diferença comparativamente com o que acontece no futebol. Nesta modalidade a decisão final pertence sempre ao árbitro principal, mas no ciclismo, o juiz que tiver a função de ver as imagens terá poder de decisão. Por exemplo, Gianni Moscon recuperou tempo perdido quando ficou "agarrado" à garrafa que lhe era dada do carro de apoio. Esta "boleia" foi mostrada pouco depois em várias repetições, mas Moscon só foi desclassificado mais tarde. Com o vídeo-árbitro, o comissário que estiver na estrada é avisado e pode de imediato retirar o ciclista da prova. Desrespeitar a cancela de uma passagem de nível, ou uma outra atitude que viole as regras pode agora ser sancionada de imediato. O comissário que analisará as imagens terá o seu "estúdio" montado junto à meta.

Com esta medida espera-se uma maior defesa da verdade desportiva, mas a UCI quer ir mais longe, estando a negociar com as cadeias de televisão que fazem as transmissão a colocação de mais câmaras na zona da meta. É sempre uma fase delicada da corrida, ainda mais quando se decide ao sprint. Afinal, foi uma destas situações que acabou por contribuir para se tornar realidade um projecto já anteriormente falado, mas que não tinha saído da gaveta.

Peter Sagan ficará ligado assim ao VAR no ciclismo. O seu sprint irregular causou uma revolta dividida entre o cotovelo que Sagan levantou, com Cavendish a cair - de referir que o ciclista da Dimension Data tentou forçar a passagem junto às barreiras, o que provocou alguma discussão - e a sanção que acabou por ser considerada por muitos como demasiado pesada. Inicialmente o eslovaco da Bora-Hansgrohe foi desclassificado na etapa e perdeu pontos na classificação da camisola verde. O que parecia ser a decisão natural, acabou por ser transformada numa expulsão definitiva do Tour. E esta sanção mais pesada foi justificada precisamente pelas imagens televisivas, com os comissários a considerarem que Sagan colocou em causa a integridade física de Cavendish e de outros ciclistas (mais dois caíram ao não conseguirem desviar-se do britânico da Dimension Data). Em situações idênticas com outros corredores como protagonistas, a pena é normalmente a desclassificação na etapa e não a expulsão.

As imagens da meta são normalmente sempre de frente (além da câmara no risco para o photofinish) e do helicóptero. A UCI quer agora mais, para assim ter uma visão mais ampla de tudo o que se passa e analisar ao pormenor o que acontece numa altura sempre potencialmente caótica dada a velocidade que se atinge e ao número de ciclistas que procura a melhor colocação.

Se os testes forem positivos, então a UCI pondera integrar o VAR em todas as corridas que tenham transmissão televisiva. No futebol, o vídeo-árbitro não sido o elemento apaziguador de polémicas como se esperava, até tem criado novas - na Alemanha um juiz foi afastado acusado de beneficiar a sua equipa -, pelo que se aguarda com expectativa para ver o que de melhor poderá trazer ao ciclismo.

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Advogado de Ulissi alerta que Froome arrisca sanção máxima devido à opção de defesa

(Fotografia: Team Sky)
A espera vai sempre parecer longa, independentemente de demorar umas semanas ou uns meses até se conhecer a decisão do caso Chris Froome. As reacções sucedem-se e em comum têm que todos querem que seja uma situação que chegue rapidamente ao fim. O britânico da Sky não se irá livrar das suspeitas de doping até lá e se competir enquanto espera pela sanção ou pelo arquivamento do caso, não terá vida fácil, ainda mais para quem quer ganhar o Giro e o Tour em 2018. Froome está decidido em provar a sua inocência, ou seja, que não excedeu o uso de salbutamol, substância utilizada por ser asmático, mas que tem limites colocados pela Agência Mundial de Anti-Dopagem. E esta luta por manter o seu nome limpo pode custar-lhe uma das penas mais graves. Quem avisa é o advogado de Diego Ulissi, italiano que em 2014 registou níveis idênticos aos de Froome, cumprindo nove meses de suspensão. Porém, há um pormenor que pode fazer toda a diferença em casos tão parecidos.

O advogado suíço Rocco Taminelli alertou: "O que ele [Froome] está a tentar fazer é muito arriscado. Eles vão tentar argumentar que ele não tomou mais do que o permitido. Agora têm de o provar e isso será a parte mais difícil. Se falhares provar, podes ser sancionado com dois anos." Esse é o tempo máximo para quem excedeu o limite, mas sem o objectivo de tirar partido desportivamente, ou seja, fê-lo por motivos de saúde. E foi isso que Diego Ulissi alegou, pelo que a pena foi mais reduzida.

"O Froome está a tentar uma abordagem diferente. Eles estão a tentar dizer que ele tomou a quantidade permitida, mas que o seu corpo não a expeliu. O risco é alto, claro. Se ele falhar, pode levar dois anos e perder a Vuelta ou a medalha de bronze nos Mundiais", realçou Taminelli, em declarações ao Velonews.

Para se perceber as parecenças dos casos: a Agência Mundial de Anti-Dopagem permite que possam ser encontrados até mil nanogramas por mililitro de salbutamol, Froome acusou o dobro, Ulissi um pouco menos, isto é, 1920. A diferença está, segundo Taminelli, na admissão do italiano em ter sido negligente, ou seja, assumiu que excedeu o limite legal, mas por razões de saúde. A conclusão foi anunciada cerca de oito meses depois do Giro, prova onde foi detectada a irregularidade no teste anti-doping de Ulissi. No entanto, Taminelli assume que até poderá prolongar-se por mais tempo, principalmente se Froome for sancionado. "Se não concordas, então podes recorrer ao Tribunal Arbitral do Desporto. Pode ser um processo muito longo", salientou.

Como não foi considerado um teste positivo, mas uma "anomalia" e sendo uma substância que não está na lista de proibidas - há aliás ainda a dúvida se pode de facto melhorar a performance desportiva -, Chris Froome não foi suspenso provisoriamente. O britânico pode, portanto, continuar a competir e continua focado em preparar a Volta a Itália. O que foi inicialmente uma grande notícia para a organização, agora o director, Mauro Vegni, teme que se possa estar perante uma situação como a de 2011. Naquele ano Alberto Contador correu enquanto decorria o processo sobre o positivo de clenbuterol. O espanhol alegou que tinha sido contaminação alimentar e passou ano e meio até ser conhecida a decisão: dois anos de suspensão. Contador viu os resultados desde o Tour de 2010 (corrida em que testou positivo) serem anulados, perdendo essa grande volta, mas também o Giro que tinha ganho em 2011. Como correu enquanto decorria o processo, na prática ficou cerca de seis meses fora da competição.

A Froome poderá acontecer o mesmo. Pode competir, pode ganhar, mas se a pior das hipóteses se confirmar, ficará sem nenhuma vitória desde a Vuelta até ao dia em que ficar determinado que pode regressar às corridas.


26 de dezembro de 2017

"Gostaria muito de voltar a trabalhar com o Nelson Oliveira"

(Fotografia: Federação Portuguesa de Ciclismo)
Ricardo Scheidecker tem uma vasta experiência no ciclismo internacional. Passou pela UCI, tendo estado envolvido em alguns dos projectos mais importantes na modalidade nos últimos anos, como a Leopard-Trek, a Tinkoff e actualmente a toda poderosa Quick-Step Floors, uma equipa que ganhou o hábito de somar mais de 50 vitórias por ano. Trabalhou com grandes nomes do ciclismo e com alguns dos portugueses que passaram pelo World Tour. De Sérgio Paulinho ficou amigo, tal como de Bruno Pires, que considera não ter demonstrado "todo o seu talento". Ainda se cruzou, por pouco tempo, com Tiago Machado e Nelson Oliveira. Elogiou os dois e admitiu que gostaria de estar novamente ao lado do quatro vezes campeão nacional de contra-relógio. Quanto aos estrangeiros, os irmãos Schleck, Fabian Cancellara e Peter Sagan são difíceis de esquecer.

O director técnico da Quick-Step Floors, de 42 anos, recordou como aconselhou Sérgio Paulinho a aceitar o convite de Bjarne Riis para deixar a RadioShack e assinar pela Saxo Bank. A estrutura americana acabaria um ano depois por confirmar a fusão com a Leopard, e o conselho de Scheidecker fez com que não trabalhasse com o ciclista português. "Eu e o Sérgio somos como irmãos. Ironia do destino, acabámos por nos encontrar mais tarde e foi excepcional trabalhar com ele durante todos aqueles anos", contou o responsável, que foi contratado pela então Saxo-Tinkoff.

"[O Bruno Pires] talvez tenha, por vezes, exigido demasiado dele próprio e isso pode ter tido o efeito contrário"

Trabalhou também com Bruno Pires, ciclista que começou no World Tour na Leopard-Trek, mas um ano depois mudou-se para a equipa de Riis. "O Bruno teve dois primeiros anos extremamente positivos. Era um corredor que tinha todas as condições para estar no pelotão internacional e fazer um bom trabalho para os seus líderes e fê-lo muitas, muitas, muitas vezes", salientou Scheidecker. No entanto, os anos passaram e o director técnico considera que Bruno Pires "não demonstrou todo o seu talento". "Talvez tenha, por vezes, exigido demasiado dele próprio e isso pode ter tido o efeito contrário, limitando-o na sua performance nos últimos anos. É uma opinião pessoal e ele sabe o que eu penso. Somos grandes amigos", referiu.

Sérgio Paulinho (37 anos) continua a sua carreira na Efapel, enquanto Bruno Pires (36) colocou um ponto final em 2016, depois da Team Roth ter optado por apostar na formação de ciclistas. Tiago Machado (32) e Nelson Oliveira (28) mantém-se no World Tour, ainda que o primeiro tenha tido uma passagem pelo escalão Profissional Continental. Scheidecker cruzou-se com ambos na Leopard, mas por pouco tempo, já que deixou a equipa meses depois da fusão que deu lugar à RadioShack-Leopard. Os dois portugueses estavam na até então RadioShack-Nissan.

Elogiou-os como atletas e como pessoas e não escondeu um desejo: "Gostaria muito de voltar a trabalhar com o Nelson Oliveira. É um ciclista com grande versatilidade. É capaz de fazer tudo e gosta muito das corridas do norte, das clássicas. É um excelente contra-relogista e sobe bem." Perante a "deixa" se Nelson Oliveira ficaria bem na Quick-Step Floors, Scheidecker sorriu e salientou: "Ele ainda nos vai dar muitas alegrias." Entenda-se que falava como português, recordando a grande exibição nos Mundiais de Bergen, em que Oliveira ficou na quarta posição no contra-relógio. Por curiosidade, o ciclista de Anadia tem contrato até 2019 com a Movistar.

Andy Schleck e a falta que faz ao ciclismo

Recordando uma entrevista antiga em que Scheidecker se mostrava orgulho de ver um jovem Andy Schleck de amarelo na Volta a França, o responsável lamentou que o luxemburguês tenha tido uma carreira tão curta, não duvidando que se hoje estivesse na estrada, estaria a fazer frente a Chris Froome: "Seria um corredor que o poderia bater." Em 2014, então com 29 anos, o mais novo dos irmãos Schleck anunciou a retirada, justificando a decisão com a lesão no joelho que o deixou quase sem cartilagem. Porém, os últimos tempos já não estavam a ser muito produtivos.

"Acho que estava numa fase da carreira em que tentava encontrar-se. Penso que sofreu muito com a fusão entre a Leopard e a Radioshack", referiu, acrescentando sem hesitação: "Poderia ter sido um dos melhores corredores de todos os tempos. Tinha um talento excepcional." Ricardo Scheidecker descreveu os irmãos como "excelentes pessoas", considerando que Frank "tirou o que tinha a tirar das suas potencialidades". Mas o mesmo não aconteceu com Andy. "Ele era um fenómeno e estas pessoas são especiais. Têm talento e têm a sua dinâmica, digamos, artística, não exacta, não matemática, não organizada... Ele era assim. Era puro talento", frisou. Desabafou ainda que Andy Schleck "faz muita falta" ao ciclismo. E só como referência, o luxemburguês é 21 dias mais novo que Chris Froome. Andy ganhou a Volta a França em 2010, após a desclassificação de Alberto Contador, contando também com o monumento Liège-Bastogne-Liège, conquistada no ano antes.

"[O Andy Schleck] poderia ter sido um dos melhores corredores de todos os tempos. Tinha um talento excepcional"

Os Schleck deixaram a sua marca em Scheidecker, tal como Peter Sagan e Fabian Cancellara, dois nomes que rapidamente nomeia como dos ciclistas com quem mais gostou de trabalhar. Porém, destaca igualmente um menos mediático: "O Michael Rogers é uma pessoa fora de série." Trabalhou com o australiano na Tinkoff, já na recta final da carreira do ciclista, que chegou a ser três vezes campeão do mundo de contra-relógio.

Com tantos anos de experiência, será que alguma vez Ricardo Sheidecker olhou para um ciclista e pensou que se estava perante um grande corredor? "Nunca me pus a adivinhar", respondeu. No entanto, afirmou que já viu "casos isolados de corredores com potencial que depois não apareceram". "Acontece", disse. E depois há aqueles que podem demorar um pouco mais a confirmar as expectativas, com o responsável a destacar Jay McCarthy.

"Foi um ciclista que eu e o Bjarne [Riis] vimos nos Mundiais de Valkenburg, em 2012, e contratámos para 2013. Teve alguns azares, mas tem muito talento e foi uma aposta ganha. Vai aparecer e ganhar corridas, de certeza absoluta", garantiu. Depois da Tinfoff acabar, McCarthy assinou pela Bora-Hansgrohe.

O australiano tem 25 anos e é assim mais um ciclista a seguir com atenção, como o estreante no World Tour Pavel Sivakov (Sky) e, claro, muitos dos ciclistas da equipa de Scheidecker, como Enric Mas e Laurens de Plus, como exemplificou o director técnico em declarações que pode ler na primeira parte da entrevista publicada ontem (ver link em baixo).

25 de dezembro de 2017

"Estamos de olho nos ciclistas portugueses"

Encontrar a próxima grande figura do ciclismo é um trabalho minucioso e que não é executado por qualquer pessoa. E claro que a modalidade não vive só de estrelas, pelo que o scouting assume uma importância extrema para garantir que as equipas tenham os ciclistas que a tornem competitiva e equilibrada. A Quick-Step Floors é uma das principais estruturas mundiais, que nos últimos anos soma mais de 50 vitórias por temporada. Ricardo Scheidecker é o director técnico e o responsável português esteve por cá para falar sobre scouting numa formação de treinadores de ciclismo, da Federação Portuguesa de Ciclismo. Sendo uma equipa sempre à procura de bons ciclistas, os portugueses também estão no radar.

Se não desperdiça a oportunidade para contratar um ciclista experiente e com currículo - como Philippe Gilbert este ano -, a estrutura belga também tem sido o trampolim para jovens que ali começam a construir carreiras de sucesso. Isso muito se deve ao trabalho de scouting que é desenvolvido. Scheidecker lança desde logo o nome James Knox, britânico de 22 anos que estava na Team Wiggins, "um trepador puro" - como descreveu o responsável português - e que pode no futuro vir a ocupar as vagas deixadas por Daniel Martin e David de la Cruz que rumaram a outras equipas. É um dos reforços da Quick-Step Floors para 2018.

"Acho que o Enric Mas vai certamente melhorar e depois temos jovens com muito talento já confirmado: Julian Alaphilippe, Bob Jungels, Fernando Gaviria... O Laurens de Plus teve o primeiro ano como profissional e sem dúvida que irá fazer melhor em 2018. Eles estão na fase de crescimento, de transição. O ciclismo não se deve preocupar com a falta de talentos ou com a falta de corredores com grande capacidade", destacou Scheidecker, que se referia também a atletas de outras equipas, como Pavel Sivakov, russo de 20 anos contratado pela Sky.


"Desde 1997 que houve uma mudança na mentalidadezinha nacional para uma mentalidade internacional"

Apesar da Quick-Step Floors ser uma equipa muito virada para as clássicas do norte, para o calendário da Bélgica e para os sprints, Ricardo Scheidecker salientou que o scouting é mais abrangente e inclui também atletas com potencial para discutir classificações gerais de provas por etapas: "Todos os corredores com valor interessam-nos." E será que poderemos ver um português na formação belga? "Para 2018 a equipa está feita, mas tudo pode acontecer em 2019!" Estava lançado o mote para se falar sobre o ciclismo nacional e como cada vez mais há corredores lusos no World Tour, como as recentes chegadas de Ruben Guerreiro (Trek-Segafredo), Nuno Bico (Movistar) e José Gonçalves (Katusha-Alpecin).

"Estamos de olho nos ciclistas portugueses. Cá há talento. Quem faz o scout veio ver várias corridas", realçou. Porém, para compreender esta fase da modalidade em Portugal, Scheidecker recua ao final dos anos 90. "Desde 1997 que houve uma mudança na mentalidadezinha nacional para uma mentalidade internacional. Estamos a falar de algo que aconteceu há 20 anos, mas os resultados estão à vista. Se não fossem essas pessoas, o ciclismo português estaria muito pior", explicou. "Essas pessoas" são Artur Lopes, então presidente da federação, Francisco Nunes, director geral, e José Luis Algarra, espanhol que naquela altura assumiu o cargo director técnico. "Esse trabalho, também com o José Poeira [seleccionador nacional], elevou o profissionalismo, o trabalho nas camadas jovens e deu muitas oportunidades a vários corredores de competir no estrangeiro e de fazer várias experiências com os juniores e sub-23, que no passado não aconteciam", referiu.

Até ao momento não há nenhum anúncio de mais um português a chegar ao World Tour - há um ano a contratação de Nuno Bico foi divulgada quase no ano novo - mas Ricardo Scheidecker deixa alguns nomes que já vão chamando a atenção. "O João Almeida é um excelente ciclista, já ouvi falar do Tiago Antunes, os gémeos Oliveira são também excelentes corredores... e há vários." Entretanto, estes ciclistas confirmaram dar um passo importante para continuar a confirmar as expectativas, pois João Almeida será companheiro de Ivo e Rui Oliveira na Hagens Berman Axeon e Tiago Antunes irá integrar a equipa do Centro Mundial de Ciclismo, o projecto da UCI.

Como é feito o scouting

O scouting é um processo que vai muito além da detecção de talentos. É necessário recorrer a métodos mais científicos para perceber se se está de facto perante o ciclista com as características que se procura. E claro, como Scheidecker destacou "o corpo humano não é uma ciência exacta", o que faz com que por vezes as expectativas não sejam confirmadas. Porém, o trabalho que hoje em dia é realizado reduz muito a margem de erro. Quem tem esta função tem de ter a capacidade para "identificar os corredores que aparecem e os que não aparecem", ou seja, não se fica apenas por aqueles que se destacam com vitórias ou exibições mais notórias. Mas reconhecer as qualidades de um jovem ciclista é apenas um primeiro passo. o "primeiro filtro", como descreveu Scheidecker.

"A partir daí é fundamental ter um acompanhamento próximo desses corredores, testá-los a nível fisiológico para percebermos se o que deu a entender ter, se confirma efectivamente", explicou. Ter uma boa capacidade física "não se traduz necessariamente em resultados", pelo que o responsável realça a importância de quem faz o scouting saber "identificar os ciclistas no meio do pelotão" com o potencial e não ser ser apenas através das classificações.


"Acho que [as equipas de formação] fazem falta, mas têm um custo elevado"

Claro que exames médicos fazem parte do processo para se "perceber se o ciclista tem 'motor'". Ter uma estrutura sub-23 que permita poder seguir de perto um possível reforço para a equipa principal tornou-se dispendioso. A Quick-Step Floors acabou com a sua e este ano a BMC anunciou que iria fazer o mesmo. Isto significa que é necessário ser feito um trabalho próximo com o ciclista e com a formação que representa, até que eventualmente se parta para a oferta de um contrato.

Scheidecker considera que estas equipas de desenvolvimento são muito importantes: "Quem corre nestas equipas sente a estrutura da do World Tour. Acho que fazem falta, mas têm um custo elevado. Temos de contratar os ciclistas e ter veículos e as pessoas para formar a equipa. É mais pequena  [do que a do World Tour], mas mesmo que seja 30%... já é bastante", frisou. Uma das vantagens é os ciclistas enfrentarem desde logo outro tipo de profissionalismo, mesmo que ainda estejam numa fase de formação. "Já têm responsabilidades se querem mesmo ser ciclistas profissionais. Estamos a formá-los, mas eles já não estão num escalão de formação", reiterou. Sem estas estruturas, a solução tem de ser outra: "Temos equipas com quem trabalhamos e sabemos o que fazem com os ciclistas."

A contratação

"Vamos sempre acompanhando o ciclista. Partimos para a contratação quando verificamos que todas as qualidades e condições do atleta são suficientemente sólidas e que nos dão garantias que é uma contratação certa, que é uma aposta com risco de perda muito baixo", explicou o responsável. Este processo pode demorar mais do que um ano, pelo que poderá acontecer uma surpresa na altura de oferecer um contrato, ou seja, o ciclista assinar por outra equipa.

"Nós somos pessoas sérias e tentamos criar condições para que o corredor, no momento em que decida, o faça por quem esteve ao seu lado. É evidente que não acontece sempre. Temos as nossas desilusões. E também não queremos ninguém que não esteja imbuído da nossa mentalidade. Se acabar por decidir pelo dinheiro e se esse foi o factor decisivo, provavelmente acaba por [o ciclista] também não nos interessar. Acontece e nós temos de gerir isso", salientou.


"Os direitos televisivos seriam uma ajuda, mas não cobririam nem 20% do orçamento"

A conversa regressou à questão das equipas de desenvolvimento que as do World Tour foram terminando, pois conhecer a personalidade de um ciclista também é mais fácil quando se trabalha com ele numa base diária. Falamos de orçamentos de milhões - o da Sky ultrapassa os 30, por exemplo -, mas são conhecidos os problemas que as estruturas do ciclismo têm em sobreviver, mesmo quando se fala de uma Quick-Step Floors, já com tantos anos de história, pelo que suportar mais uma estrutura é nesta fase da vida da modaldiade difícil.

Quando se fala de finanças, fala-se dos "problemas estruturais do ciclismo". "Vamos ver o que o novo presidente  [da UCI, David Lappartient] pensa fazer. Que possa trazer um novo projecto, sobretudo pensado", disse. Para Scheidecker a modalidade irá sempre viver dos patrocínios. "Os direitos televisivos seriam uma ajuda, mas não cobririam nem 20% do orçamento", considera. Mas será que poderia cobrir o necessário para ter uma equipa de desenvolvimento? "Se assim fosse, seria um grande negócio", afirmou.

A resposta até poderia passar pela venda de merchandising. "Se se vendesse como vende um clube que disputa a Liga dos Campeões... se calhar já se seria auto-suficiente. Mas nós vendemos publicidade e é isso que vamos fazer sempre, a não ser que chegue aqui alguém com muito dinheiro e que compre tudo." No entanto, esta sugestão fez lembrar o que aconteceu com Oleg Tinkov que comprou uma estrutura, mas quando decidiu sair, colocou um ponto final e o resultado foi o adeus de uma das principais equipas do pelotão.

(Leia aqui a segunda parte da entrevista a Ricardo Scheidecker)

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24 de dezembro de 2017

Ficou sem equipa, continuou a treinar, angariou 40 mil euros e recebeu uma prenda de Natal: um contrato

(Fotografia:
Jérémy-Günther-Heinz Jähnick/Wikimedia Commons)
O corte no financiamento do Ministério da Defesa  francês obrigou a Armée de Terre a mudar a sua estrutura. Passa a amadora e irá apostar na formação de jovens ciclistas daquele país. Quem tinha contrato além de 2017 ficou com continuidade garantida até ao final do vínculo, mas os reforços ficaram sem efeito e as renovações também foram travadas. Romain Le Roux é um destes últimos casos. Depois de três anos na equipa francesa ficou com o futuro indefinido. Não desistiu. Continuou a treinar e virou-se para uma plataforma de crowdfunding para angariar dinheiro, de forma a assegurar o lugar numa equipa. Conseguiu 40 mil euros e juntamente com a sua perseverança chamou a atenção da Fortuneo-Oscaro, formação Profissional Continental que contratou Warren Barguil (Sunweb), rei da montanha e vencedor de duas etapas no último Tour.

Le Roux tinha colocado o Natal como limite para conseguir uma colocação antes de começar a pensar em alternativas para a sua vida. E recebeu mesmo uma prenda: o desejado contrato! "Não saberia se iria conseguir, mas queria tentar tudo para não me arrepender", disse o ciclista, de 25 anos, sobre a escolha do crowdfunding. Foi um amigo quem lhe falhou da plataforma e este ano já são duas histórias no ciclismo profissional que se cruzam com esta estratégia de angariar dinheiro. A Cannondale-Drapac também o fez para tentar salvar a equipa. Reuniu mais de 500 mil euros, muito longe do necessário, mas chamou a atenção de um patrocinador que assegurou a sobrevivência da formação americana: a EF Education First.

Le Roux não precisava de tanto, mas os 40 mil euros não cobrem o custo que a Fortuneo-Oscaro irá ter com o ciclista. Porém, o responsável da equipa francesa afirmou que, perante a atitude de Le Roux, está disposto a gastar os 20 mil que faltam. Emmanuel Hubert realçou ter ficado sensibilizado pela abordagem do corredor. "Tínhamos de encontrar uma solução com ele", disse, elogiando as capacidades atléticas de Le Roux e acreditando que poderá ser uma ajuda importante para os líderes em 2018.

No entanto, esta contratação levanta algumas questões que têm sido problemáticas em Itália, por exemplo. Naquele país foi denunciado um esquema em que os ciclistas pagariam para competir em certas equipas, pelo que levar 40 mil euros e assim garantir um contrato, fez recordar essa situação polémica.

Porém, Romain Le Roux só vê a questão como a forma encontrada para prosseguir a sua carreira, com o bónus de até ir competir num escalão superior.  "É um alívio e um prazer assinar pela Fortuneo-Oscaro", desabafou em declarações publicadas no site da equipa. O ciclista já tinha conversado com Emmanuel Hubert e confessou que tinha "o desejo secreto" de que pudesse resultar em algo positivo para si. Olivier Le Gac (FDJ) e Laurent Pichon - que será agora seu companheiro - motivaram Le Roux a continuar a treinar como se estivesse a fazer uma pré-época, esforço que permitirá entrar rapidamente no ritmo necessário.

O contrato é de um ano, mas o francês quer mostrar que não só pode ser importante ao lado de um líder, como espera ter alguma oportunidade para mostrar as suas qualidades. Este não foi o primeiro obstáculo que encontrou na sua carreira de atleta. Começou como ginasta, mas aos 13 anos uma lesão obrigou-o a escolher outra modalidade. Optou pelo ciclismo e foi na pista que começou a dar nas vistas. A Armée de Terre abriu-lhe as portas para um nível mais competitivo na estrada. Contudo, logo no ano de estreia, em 2015, uma queda assustou, mas Le Roux prometeu desde logo regressar mais forte. No ano seguinte foi suspenso durante seis meses depois de acusar positivo num teste anti-doping. O médico da equipa deu-lhe um medicamento para as alergias e uma das substâncias não era permitida.

2017 estava a ser um ano sem incidentes, com Le Roux a competir maioritariamente no calendário francês, passando pela Bélgica e também Portugal, no Troféu Joaquim Agostinho (terminou no 33º lugar). Em Novembro chegou a confirmação do corte do financiamento do Ministério da Defesa (era 50% do orçamento) e de uma equipa que aspirava até subir em breve ao escalão Profissional Continental, passou a uma de formação de jovens e amadora.

Le Roux terá como companheiros além de Barguil (Sunweb) e Pichon, ciclistas como Maxime Bouet (ex-AG2R e Etixx-QuickStep), Amaël Moinard (que esteve sete anos na BMC), Anthony Delaplace, Brice Feillu, Florian Vachon e do luso-francês Armindo Fonseca. A Fortuneo-Oscaro só conta com três corredores que não são franceses, até ao momento, e tem como principal objectivo colocar Warren Barguil entre os candidatos a discutir a Volta a França, mesmo sendo uma estrutura do segundo escalão.