19 de março de 2018

"Sinto-me mais respeitado e que as pessoas acreditam que posso fazer coisas bonitas"

Aproveitar todos os momentos ao máximo é uma forma de estar de Luís Mendonça. Havia tempo para celebrar, mas o ciclista ainda mal tinha sido consagrado em Évora como o vencedor da Volta ao Alentejo e admitia que a festa não seria grande, até porque já pensava na próxima corrida. Na próxima possível vitória, sua ou de um colega. Mas antes de se concentrar a 100% na Clássica Aldeias do Xisto, Luís Mendonça vive momentos que sempre ambicionou, ainda que confesse que ter como primeira grande vitória profissional uma corrida internacional, não estava nas suas previsões. Agora a motivação é ainda maior e já se vê um Mendonça a pensar não só na próxima corrida, mas também numa evolução mais a médio prazo que pretende ser idêntica àquela que passou Vicente Garcia de Mateos.

"Quero trabalhar para ser um ciclista muito completo, que finaliza bem e que sobe bem. Tenho de aperfeiçoar um pouco mais o contra-relógio para discutir provas como esta, para estar sempre na frente, para ser uma carta a jogar em todas as ocasiões e, quem sabe, vestir novamente a amarela", explicou ao Volta ao Ciclismo. Acrescentou que já falou com o director desportivo da Aviludo-Louletano-Uli, Jorge Piedade, sobre esta sua pretensão e o trabalho que tem realizado nos últimos meses demonstra evidentes mudanças quando o terreno inclina. Apesar da Volta ao Alentejo só ter uma etapa de montanha, foi essencial estar melhor a subir e foi no final em Portalegre que começou a interiorizar que podia ganhar a Alentejana. Já antes, na Volta ao Algarve, tinha estado muito bem tanto na Fóia, como no Malhão.

"[O Jorge Piedade] foi a única pessoa que acreditou em mim quando subi a profissional"

Mateos começou por ser aposta mais nos sprints e é agora o líder para a Volta a Portugal, tendo ficado em terceiro na edição passada. Mendonça falhou essa corrida, pois cerca de duas semanas antes foi agredido durante um treino por um homem que lhe fracturou o braço. O ciclista de Paredes sofreu uma enorme desilusão, mas soube transformar a frustração e também a raiva em motivação. "Sim, é verdade. Isso ensinou-me que tudo muda num piscar de olhos e que tenho de aproveitar as oportunidades todas, as corridas todas. Ainda fui a pensar nos circuitos [em 2017], com o braço fracturado há um mês. Nem podia fazer sprints, mas eu queria ir de qualquer maneira e fazer bons resultados. Queria mostrar que estava aí, que estava forte. Quem não é visto, não é lembrado e eu queria ser visto e lembrado", contou. Salientou que foi também muito importante o discurso que ouvia da equipa, sempre a acreditar nele e a dizer-lhe que alcançaria vitórias.

Aliás, estas foram palavras que ouviu desde que assinou pela formação algarvia no ano passado. Por isso mesmo, considera que a vitória na Volta ao Alentejo pertence também a Jorge Piedade, o director desportivo que sempre lhe disse ter total confiança no que Mendonça poderia dar à equipa, mesmo falando de um ciclista que apostou a sério no ciclismo apenas há cinco anos, aos 27: "Quero agradecer-lhe muito. Foi a única pessoa que acreditou em mim quando subi a profissional. Agora é fácil falar que sou capaz de vencer, mas na altura ouvir isto do director desportivo, dizer que me queria na equipa, que seria um dos protegidos, que acreditava no meu trabalho e que acreditava que podia vencer muitas corridas... Se calhar só ele acreditou."

A partir de 18 de Março pode começar a dizer que será diferente. E afirma mais que uma vez que a vitória na Alentejana elevou a fasquia e que a maior responsabilidade é algo que agarra com uma ambição que apenas ficou ainda maior. O estatuto agora é diferente, mesmo dentro do pelotão: "Sinto-me mais respeitado e que as pessoas acreditam que posso fazer coisas bonitas."

O filme de Mendonça da Volta ao Alentejo

É quase mecânica a forma como explica ao pormenor o que viveu, o que sentiu durante os cinco dias, nos quase 800 quilómetros da Alentejana. É um filme que muito provavelmente irá passar na sua mente vezes sem conta, pois se chegou com o objectivo de uma etapa, ganhar a geral, principalmente depois de um primeiro dia tão difícil, foi algo não estava nos seus planos. "A primeira etapa foi louca e decidiu muita coisa. Foi uma etapa de desgaste enorme. Cheguei ao fim rebentado. Ainda faltavam mais cinco e eu não sabia como dar a volta à situação. A segunda foi mais tranquila e já deu para recuperar algo. Pouco a pouco isto foi acontecendo... Estive forte no dia decisivo [sábado, com jornada dupla]. De manhã e de tarde. No contra-relógio percebi que era possível, mas quando arranquei, as sensações eram péssimas. A descer lancei-me com tudo. Arrisquei tudo! Fui a grande velocidade. O meu director foi com as mãos na cabeça toda a descida. Quando faltavam 1,5 quilómetros vi o terceiro classificado à minha frente. Tive de sofrer. Parecia que estava parado, mas não estava! Quando me berraram que ia para a amarela... Passaram as dores, passou tudo e ao chegar e ouvir o speaker dizer que era virtual líder..." O relato acaba com um enorme suspiro de quem parecia que tinha acabo de cortar novamente a meta naquele contra-relógio de Castelo de Vide.

"Posso confirmar que a camisola amarela dá força. Foi mais ela do que as pernas [na última etapa]!"

Ainda faltavam os 151,3 quilómetros de domingo e dormir não foi fácil: "Confesso que dormi seis horas. Acordei às sete e só tinha de acordar às nove. Comecei a pensar em estratégias de corrida, planos A, B, o que vai acontecer... Nunca mais fechei os olhos, mas acordei cheio de energia." De Castelo de Vide a Évora foram quilómetros de sofrimento, com muitos ataques, mas Luís Mendonça não cedeu: "Posso confirmar que a camisola amarela dá força. Foi mais ela do que as pernas!" E em mais um desabafo: "Nunca pensei ser na Volta ao Alentejo [a primeira vitória profissional]! Nunca! Pensei em começar por baixo, com corridas mais nacionais. Vencer esta volta, uma corrida internacional... Elevei a fasquia."

Depois de uma pré-temporada em que garante ter trabalho muito, Luís Mendonça começou a receber a compensação que há muito sonhava. Seguirá para a Clássica Aldeias do Xisto, no domingo, a pensar como poderá ajudar a equipa a conquistar pelo segundo ano consecutivo o Troféu Liberty Seguros - Óscar Hernández é o líder -, mas também a pensar que quer continuar a senda de bons resultados pessoais. E tendo em conta como anda a mostrar-se na montanha e depois de uma vitória altamente motivadora na Alentejana, Mendonça certamente que terá direito a maior atenção. "Tenho 32 anos, não sou um jovem, mas quero ficar aqui uns anos e alcançar coisas bonitas. É agora, não pode ser amanhã", afirmou.


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