12 de março de 2018

Marc Soler encontrou a diversão perfeita no ciclismo

(Fotografia: Movistar Team)
"Ganhará o que quiser, inclusivamente corridas de três semanas. Já se viu a progressão que teve e o bom que é [como ciclista]!" Alejandro Valverde bem avisou há mais de um ano que Marc Soler tinha tudo para ser uma das futuras referências espanholas. Não era o único a colocar jovem de Vilanova i la Geltrú, município de Barcelona, como um dos grandes talentos a despontar. Porém, nem a vitória numa etapa da Route du Sud (2016) ou o pódio na Volta à Catalunha (2017) pareciam convencer uns meios de comunicação social obcecados pela perda de Alberto Contador, que se preparava para terminar a carreira, um ano depois do adeus de Joaquim "Purito" Rodríguez. Num dia, tudo mudou. A conquista do Paris-Nice com apenas 24 anos faz com que se leia em diversos textos que o futuro de Espanha está aí. Valverde sabia, Purito é outro que já tinha alertado que Soler tinha um enorme potencial, tal como Juan Antonio Flecha e Joxean Fernández ‘Matxín’, este último um especialista em "caçar" futuros grandes ciclistas, sendo actualmente director desportivo da UAE Team Emirates.

Procurava-se o sucessor de Contador e apesar de até ter ganho o Paris-Nice ao estilo do agora ex-ciclista, atacando de longe e mostrando uma grande maturidade táctica, chamam-lhe o novo Indurain! Num dia, Soler viu o mediatismo em seu redor ser consideravelmente ampliado e a sua carreira entra também numa nova fase. Até agora os olhares era para ver se confirmava expectativas, a partir deste domingo a responsabilidade será de mostrar que tem de facto potencial para liderar uma grande equipa e corresponder com grandes vitórias.

A Movistar tem sido a estrutura perfeita para Soler evoluir. Assinou em 2015, mas Eusebio Unzué sempre adoptou com o jovem uma postura de deixá-lo ir evoluindo, sem pressões excessivas. Diga-se que é algo comum aos corredores que chegam muito novos a esta equipa e como está a acontecer com o português Nuno Bico, por exemplo. Unzué deixa-os percorrer o seu caminho e são muitas vezes os próprios ciclistas que demonstram que estão prontos para mais, ainda antes de alguém lhe dizer que têm de mostrar um nível mais elevado. Soler é o exemplo. Sempre que foi tendo oportunidade agarrou-a e alcançou resultados. A vitória no Paris-Nice é inequivocamente a afirmação de "estou pronto para mais."

O Barcelona perdeu um guarda-redes!

Soler é um daqueles atletas que adora praticar desporto, mas tem de se divertir a fazê-lo, por mais sério que se torne. A sua primeira incursão foi no futebol. Era guarda-redes, mas quando a exigência começou a superar o divertimento, o futebol perdeu algum encanto. Influenciado por uns pais também amantes do desporto, Soler praticou natação e o alpinismo fez parte da sua vida desde cedo. "Antes de aprender a andar, eu e o meu irmão Pol já tínhamos passado pelas zonas mais frequentadas pelos alpinistas", disse numa entrevista ao Ciclismo a Fondo.

Porém, quando apareceu uma bicicleta de BTT em casa, foi um chamamento irresistível para Soler e não demorou muito a perceber que era a pedalar que mais se divertia. Começou por ir nuns passeios com o pai e os tios e aos 13 anos, um amigo com quem tinha jogado futebol, convenceu-o a experimentar a competição. "Cheguei [à prova], dei quatro ou cinco voltas porque era infantil e não podia dar mais e quando acabei havia um lanche para todos. Senti-me bem e era o que procurava", contou.

Do BTT para a estrada, foi para o CC Mollet, depois mudou-se para o Huesca la Magia e foi no Lizarte - que funciona como equipa satélite da Movistar - que se fez ciclista sob a orientação de Manolo Azcona. Ainda foi jogando futebol, mas tornou-e claro que não iria ser a sua carreira. O Barcelona, clube do seu coração, se calhar perdeu possibilidade de contratar um grande guarda-redes! Aos 17 anos dedicou-se exclusivamente ao ciclismo. Azcona afirmou uma vez que olhava para Soler e pensava: "Este é outra coisa."

Desde cedo que com os pais Soler aprendeu a ter atenção ao seu corpo. O pai, bombeiro, e mãe, funcionará da câmara de Vilanova i la Geltrú, ensinaram-lhe a alimentar-se correctamente, a perceber a importância do descanso e de como treinar bem. Parte da exigência do ciclismo já lhe tinha sido incutida desde criança, ainda longe de imaginar no que se iria tornar Soler. Fisicamente, o espanhol é considerado estar dentro dos parâmetros ideais: 1,86 metros e quando está no pico de forma o peso ronda os 67/68 quilos. Como curiosidade, Indurain mede 1,88, enquanto Contador é um pouco mais baixo: 1,76. A suas apetências de trepador cedo o tornaram um destaque entre os jovens talentos espanhóis. No ano antes de assinar contrato com a Movistar, Soler conquistou seis vitórias. Em 2015 estreou-se como profissional no Tour de San Luis, na Argentina (81º lugar) e veio à Volta ao Algarve ser segundo na classificação da juventude, atrás do italiano Davide Formolo.

A Movistar foi colocando-o várias vezes em prova e chamado para fazer o Tour de l'Avenir, prova também conhecida como Volta a França do Futuro. Foi aí o mundo viu que Espanha tinha em Soler uma enorme promessa. Não só venceu, como na última etapa deu muito espectáculo. Sebastian Henao tentou escapar e ganhou uma vantagem de cerca de três minutos. Soler foi em sua perseguição, passou o colombiano e pode não ter conseguido ganhar a etapa, essa foi para o russo Matvey Mamykin - ex-Katusha e agora na Burgos-BH -, mas Soler entrou numa lista de luxo. No Tour de l'Avenir (nem sempre teve este nome) ganharam ciclistas que viriam a ser vencedores da Volta a França, casos de Miguel Indurain, Greg Lemond, Laurent Fignon, Felice Gimondi e Joop Zoetemelk. Nas edições mais recentes venceram Nairo Quintana, Miguel Ángel Lopez, Warren Barguil, Johan Esteban Chaves, Bauke Mollema... algumas das principais figuras do ciclismo actual.

Em 2017, Soler teve como destaque o terceiro lugar na Volta a Catalunha e mais cedo do que se esperaria, teve liberdade numa grande volta. Com Quintana já com o Giro e Tour feito e com Valverde fora de acção devido a lesão, a Movistar deixou os seus ciclistas livres para procurarem resultados pessoais na Vuelta. A expectativa sobre Soler foi enorme. O jovem espanhol bem tentou mostrar-se, mas a falta de experiência neste tipo de corrida também se fez notar. Ainda assim, foi algo que o influenciou positivamente, por tudo o que aprendeu sobre si próprio e sobre correr uma grande volta à procura de vitórias, logo na estreia.


(Fotografia: Facebook Paris-Nice)
Soler fez terceiro na Ruta del Sol já esta época, mas foi só uma indicação do que aí vinha. Por quatro segundos o espanhol tirou a amarela a Simon Yates no Paris-Nice. Soler teve dificuldades em acreditar no que estava a acontecer quando subiu àquele pódio. "Nunca tinha ganho uma corrida World Tour e para mim isto é um sonho", disse no final. É apenas o quarto espanhol a conseguir. Quem foi o primeiro? Pois claro, Miguel Indurain (1989 e 1990). Seguiu-se Luis Leon Sanchez em 2009 e Alberto Contador no ano seguinte. El Pistolero perdeu as edições de 2016 e 2017 por quatro e dois segundos, respectivamente (para Geraint Thomas e Sergio Henao). Soler inverteu a má sorte espanhola.

Entre ser o novo Indurain e o sucessor de Contador, enquanto Soler não ganhar o direito de ser tratado sem comparações (e já não deverá falta muito), o espanhol demonstra ter a capacidade de resistência do primeiro e o instinto matador do segundo. Aí está uma mistura que pode ser perfeita.

E agora?

Soler segue para a Volta à Catalunha, que começa na próxima segunda-feira. Até ao Paris-Nice, o espanhol não tinha a responsabilidade de alcançar grandes resultados, mas sim de trabalhar na sua evolução. A pressão das vitórias é para Alejandro Valverde, Quintana, Mikel Landa... A Movistar tem este equilíbrio ideal para os jovens ciclistas: tens aqueles que estão obrigados a obter resultados e há espaço para os outros ir aprendendo com os melhores. Contudo, Soler começa a entrar no "clube dos grandes". Na Catalunha irá estar ao lado de Valverde - vencedor em 2017 - e Quintana, que finalmente irá correr na Europa em 2018. Nem o próprio se atreverá a dizer que quer outro estatuto, mas na estrada, Soler poderá muito bem voltar a tê-lo, se a oportunidade aparecer.

Não tardará muito a falar-se onde irá encaixar Soler numa Movistar com tantos líderes, pois há que não esquecer Andrey Amador e Carlos Betancur que vão disputar o Giro. Foi uma excelente vitória no Paris-Nice e dependendo do que faça na restante temporada, esta "discussão" poderá ficar bem acesa para 2019.

Por enquanto a questão é mesmo qual será a grande volta escolhida para Soler este ano. Não está previsto para nenhuma. No Tour estará o todo poderoso trio Valverde-Landa-Quintana, pelo que Soler é provável que seja chamado para a Vuelta. No entanto, perante a forma que está a apresentar, seria excelente poder vê-lo já no Giro. Potencial para animar a corrida tem, e muito. Aliás, o que não falta a Soler é potencial. Este é o nome que tem tudo para ser dos mais mencionados na próxima década do ciclismo. E o melhor é que Soler quer continuar a encarar o que lhe surja sempre com um espírito de diversão. É assim que considera valer a pena trabalhar para estar ao mais alto nível.

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