24 de janeiro de 2018

Egan Bernal, o talento que nem com o capacete nos olhos deixou de ganhar

Bernal começou o ano e a carreira na Sky a ganhar a classificação da juventude
no Tour Down Under (Fotografia: Facebook Team Sky)
Numa manhã, provavelmente como tantas outras, Egan Bernal saiu de casa de bicicleta com o pai, um apaixonado pelo ciclismo. Tinham pedalado cerca de oito quilómetros desde casa, em Zipaquirá - a qualquer coisa como 30 quilómetros de Bogotá -, quando se cruzaram como uma corrida que se preparava para começar. Bernal não resistiu e insistiu com o pai para o deixar participar. Não estava inscrito, nem tinha capacete. O pai tentou dissuadi-lo. Bernal dirigiu-se a um amigo da família que os acompanhava e pediu-lhe dinheiro para se inscrever. O amigo que não resistiu perante tal insistência. Bernal desapareceu por instantes e quando reapareceu, lá estava ele com um capacete, tão grande que não ficava fixo na cabeça e lhe tapava os olhos. Sem hesitar, partiu para a corrida.

Egan Bernal tinha apenas oito anos, mas já demonstrava que tinha herdado a paixão do ciclismo, então mais dedicado ao BTT. A história daquele dia ainda não terminou. Bernal pedalava com os restantes jovens e, de repente, eis que se o vê deixar a concorrência para trás, mesmo que não visse muito bem o percurso, por causa do capacete! Cortou a meta sem se aperceber que tinha vencido. Mas ali estava Bernal, com o capacete torto na cabeça, ainda sem saber como aquele dia lhe iria começar a definir o seu futuro. Conta o El Espectador que Bernal recebeu uma bolsa para que pudesse estudar e treinar, além de ter como oferta o seu primeiro equipamento de ciclista.

"Desde pequeno que se via o esforço, a dedicação para conseguir alcançar as metas que ia estabelecendo", recordou ao mãe, Flor Gómez. Bernal saía da escola às 13:30, ia a casa almoçar e ficava ansiosamente à espera do início do treino, que normalmente decorria entre as 15:00 e as 17:00. Quis ser campeão de inter-escolas e conseguiu. Apontou depois ao título do departamento de Cundinamarca, a que pertence Zipaquirá, e objectivo cumprido

Pablo Mazuera tornou-se no seu mentor e ajudou Bernal a conquistar medalhas de bronze e prata nos Mundiais, sempre no BTT. Contudo, o passo para a estrada começava a tornar-se inevitável. Quando a Team Colombia era a grande referência para mostrar os colombianos ao mais alto nível mundial, Bernal foi assistir a uma corrida na Europa da equipa. Mazuera apresentou-o a um responsável da Sky, que o alertou que precisava primeiro de participar em provas de estrada juniores, para fazer a adaptação à nova vertente. Mas naquele momento, Bernal entrou na mira da toda poderosa estrutura britânica.

Tudo terá acontecido tão rápido que até Bernal tem dificuldades em recordar-se qual foi a sua primeira prova. Nomeia a Volta ao Mediterrâneo, segundo o El Espectador, mas o que não se esquece foi como quase chorou durante a corrida. Estava muito frio, chovia e pela frente o jovem colombiano tinha 205 quilómetros para fazer. "Para quê que deixei o BTT. Lá era alguém, aqui não sou nada. Não quero continuar com isto", confessou ter pensado, enquanto lutava por não deixar escapar as lágrimas.

Mazuera foi sempre um apoio para Bernal e entretanto surgiu Gianni Savio, um dos directores desportivos mais experientes do pelotão internacional e que o levou para a Europa, nomeadamente para a sua Androni. A equipa tem servido de trampolim para muitos italianos, mas Savio tem sempre estado atento aos ciclistas colombianos. "Quando o vi ganhar o Giro delle Fiandre soube que tinha de o contratar. Tive muitos ciclistas com talento, uns singraram, outros nem tanto, mas este rapaz é especial, é realmente diferente", afirmou Savio, que acrescentou: "Egan já não é o futuro do ciclismo colombiano, é o presente."

Na Androni, as classificações da juventude era algo natural que estivesse na luta e até que ganhasse, mas depois da promissora adaptação à Europa feita em 2016, Bernal confirmou tudo o que se esperava de um jovem como ele em 2017 e até foi um pouco mais além. Nono na Volta aos Alpes, 13 na Lombardia, só para exemplificar dois excelentes resultados ao nível da elite. Porém, garantir o Tour de l'Avenir - Volta a França do Futuro, na qual venceram colombianos como Miguel Ángel López, Johan Estaben Chavez e Nairo Quintana - foi aquela vitória que o consagrou como um dos grandes talentos que era impossível não dar o salto. A Sky estava a atenta e Savio não teve dúvidas em dizer: "Está [destinado] a coisas grandes."

Na Colômbia vêem Bernal como o sucessor de Chris Froome na Sky e de Nairo Quintana no seu país. Bernal começou logo em grande, com a classificação da juventude numa prova World Tour, o Tour Down Under, e também o sexto lugar na geral. A equipa britânica sabe que tem um ciclista com um potencial ainda por desvendar por completo Será trabalhado minuciosamente e lançado às grandes provas quando se considerar que está preparado, tendo a seu lado dois compatriotas, Sergio e Sebastián Henao. Na perspectiva de quem gosta de ciclismo e o assiste de fora, Bernal é, aos 21 anos, um daqueles ciclistas que já só se quer é vê-lo na estrada!

É descrito como humilde, muito inteligente na forma como analisa as corridas e a gerir o seu esforço. O nome Egan foi o médico que sugeriu quando disse à mãe que estava grávida. Era o clínico que há muito acompanhava a família e por respeito a essa ligação Flor aceitou a sugestão, apesar de não ter gostado muito inicialmente. "Vai-se chamar Egan. Em grego penso que significa campeão", justificou o médico. Se assim for, Egan Bernal poderá cumprir quase uma espécie de profecia se se tornar no ciclista que tanto indica poder ser: um grande campeão. E também um campeão de espectáculo.. A nova geração do ciclismo está aí e a Colômbia bem tem razões para sorrir: Egan Bernal, Miguel Àngel López, Fernando Gaviria...

»»Estreia adiada do "novo Boonen" devido a alteração no regulamento anti-doping««

»»Utopia, o novo ganho marginal da Sky?««

Sem comentários:

Enviar um comentário