20 de setembro de 2017

Que sofrimento Nelson!

(Fotografia: Federação Portuguesa de Ciclismo)
Em cada ponto intermédio Nelson Oliveira aproximava-se do primeiro lugar. Lá se ficou com o problema de não se saber como se estar no sofá. Aquela troca de bicicleta faz suster a respiração. Não correu como se desejaria, mas nada estava perdido. "Força Nelson", pensava-se. Bom, disse-se numa voz mais alta do que o pretendido, como se quisesse que o ciclista ouvisse! As imagens teimavam em não mostrar o português na subida final. Quando se é fã de ciclismo, tende-se a apreciar tudo o que acontece numa grande corrida, como é o contra-relógio nos Mundiais, mas é inevitável sentir-se aquele sentimento mais nacionalista. No meu caso pelo menos é assim! Lá apareceu Nelson, finalmente. Dá para bater Wilco Kelderman... Não dá... Não vai dar, vai dar e...deu mesmo. Por cinco segundos Nelson Oliveira foi sentar-se no trono dos contra-relogistas. Que momento. Que sensação! Se foi para quem estava apenas a assistir, só se pode tentar imaginar como se sentiria Nelson. No topo do mundo, talvez!

Ainda faltavam os principais candidatos. Rohan Dennis, Jonathan Castroviejo, Chris Froome, Tom Dumoulin e mesmo Tony Martin, ainda que não fosse um percurso muito para o alemão. Nas câmaras apareciam umas gotas de água que passaram a chuva pouco depois. Injusto numa perspectiva desportiva, mas naquela perspectiva nacionalista era uma chuva abençoada. Não era preciso Rohan Dennis estragar a sua corrida com uma queda. Infeliz o australiano. Froome estava extremamente cuidadoso. Dumoulin voava sobre a estrada (que contra-relógio fantástico!). Jungels, Zakarin, Kiryienka, Moscon, todos iam passando e Nelson continuava no trono. Que sofrimento!

Pelo meio ligou-se a um amigo também louco por ciclismo: "Estás a ver isto?" Estava a trabalhar. Lá entrou o messenger em acção para se partilhar o sofrimento. Era um acompanhamento ao vivo personalizado!

Por essa altura já se tinha percebido que só um enorme azar tiraria o título mundial a Tom Dumoulin. E sejamos sinceros: merecia! Completamente! Continuando... "Vai lá às medalhas Nelson!" (Muito se falou com a televisão.) Com a emoção até deu para esquecer Primoz Roglic, o vencedor da Volta ao Algarve. Parecia que seria possível fazer pior que Nelson, mas este esloveno está cada vez melhor. Recuperou muito na subida... "Não faz mal. Ainda dá para o bronze." Ainda nem se tinha acabado de dizer e Chris Froome estava a fazer valer toda a sua qualidade de trepador. O britânico corta a meta e logo de seguida aparece Dumoulin, que quase dobrou Froome. Momento confuso de emoções: por um lado a desilusão por ver uma medalha fugir, por outro uma admiração profunda pelo ciclista holandês. Que bem entregue que ficou a camisola arco-íris. Faltava Tony Martin, mas ficou pelo nono lugar e viu Dumoulin, um super Dumoulin, assim é que é, suceder-lhe na lista de campeões.

Repetiu-se o resultado dos Europeus de 2016 para o português da Movistar, mas como disse Nelson Oliveira, "alguém tem de ser quarto". Foi um sofrimento que fez recordar Florença 2013, quando Rui Costa foi campeão do Mundo, mas de estrada. Talvez por acreditar que Nelson Oliveira tem valor para um dia dar alegria idêntica se tenha sofrido tanto. Afinal há uns anos disse que o ciclista de Anadia poderia ser um dos melhores do Mundo. Já o é (já o era antes destes Mundiais, agora reforçou o estatuto), mesmo sem medalha em Bergen.

Froome não vai ter umas férias descansadas

(Fotografia: SWPix/UCI)
Deixando as emoções fortes do dia de parte, foi um contra-relógio para recordar de Tom Dumoulin. O próprio achou que estava a ver mal quando olhou para o seu power meter. O holandês deixou Froome a 1:21 minutos. Tinha partido 1:30 depois do britânico. O líder da Sky ficou com a plena noção, sem margens para dúvidas, que Dumoulin está em condições de ser o seu grande rival em 2018. Falta ao homem da Sunweb, vencedor do Giro, aproximar-se mais das capacidades de trepador de Froome. Porém, como demonstrou na Volta a Itália, está muito melhor e ainda pode melhorar mais. Até ao Tour de 2018 tem tempo para aprimorar as suas qualidades. Roglic ficou com a prata, a 57 segundos de Dumoulin.

O holandês fez um pouco de história: é o primeiro do seu país a sagrar-se campeão do mundo de contra-relógio e desde o espanhol Abraham Olano que ninguém ganhava uma grande volta e o esforço individual nos Mundiais (1998). No domingo Dumoulin estava na equipa da Sunweb que levou o ouro no contra-relógio por equipas e disse que não haverá tempo para muita festa. O ciclista quer no próximo domingo tentar a medalha na prova em linha. E com tanto sucesso, a medalha que quer vem com uma camisola do arco-íris...

Nelson fez mais 1:28 minutos que Dumoulin. E é difícil afastar o pensamento se a mudança de bicicleta tivesse corrido melhor... Froome não trocou, tal como Dumoulin. Roglic preferiu fazer a mudança. As opiniões nesse aspecto dividiram-se e o esloveno, por exemplo, claramente beneficiou, pois fez uma grande subida, o que naturalmente também influenciou a força que poupou para o final. Dumoulin não precisou de trocar.

Rui Costa manteve-se na bicicleta de contra-relógio. O poveiro partiu bem antes de Nelson Oliveira e pôde passar informações valiosas ao compatriota. Mesmo sem o objectivo de estar entre os melhores, o ciclista deixou boas indicações para a corrida de domingo. Foi 33º a 3:10 minutos, batendo alguns corredores com melhores qualidades de contra-relogista.

"A verdade é que não estava à espera de fazer este resultado, mas senti-me bem em todo o percurso. Sabia que tinha de regular para a última subida. Muitas pessoas vão perguntar se a troca de bicicleta foi uma boa opção. Perdi algum tempo na mudança, mas foi a melhor decisão. Tenho a certeza de que com a bicicleta de contra-relógio não faria a subida que fiz. Reconheço que a chuva na última série pode ter-me favorecido", explicou Nelson Oliveira, citado pela Federação Portuguesa de Ciclismo.


Dois contra-relógios dois grandes resultados para Portugal. Ivo Oliveira foi 21º nos sub-23 e Nelson ficou à porta das medalhas. Esta quinta-feira descansa-se em Bergen, a bonita cidade norueguesa. Descansam os ciclistas, pois haverá eleições na UCI. Sexta tudo recomeça com a única representante feminina da selecção nacional (9:05, hora de Portugal Continental). Maria Martins estará na corrida em linha de juniores e atenção a esta talentosa jovem, que está a realizar uma excelente temporada, com bons resultados na pista e na estrada. Da parte da tarde (12:15) entram em acção os ambiciosos - e com razão para tal - sub-23: Ivo Oliveira (Axeon Hagens Berman), André Carvalho (Cipollini Iseo Serrature Rime), Francisco Campos (Miranda-Mortágua) - campeão nacional de estrada na categoria - e José Neves (Liberty Seguros-Carglass) - campeão nacional de contra-relógio.

Esta é uma corrida importante para os ciclistas deste escalão. Serão muitos os olheiros. Falando de um português, há um ano Nuno Bico esteve muito bem em Doha ao integrar a fuga e trabalhar afincadamente para que resultasse. Não teve a ajuda necessária para que tal acontecesse, mas no final do ano assinou pela Movistar e a performance nos Mundiais teve um peso importante na proposta da equipa espanhola.


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