30 de setembro de 2017

De estrela com recepção real ao anonimato no ciclismo europeu

Salah Eddine Mraouni tem o sonho de tantos ciclistas: chegar ao mais alto nível e competir na Volta a França. Admira Alejandro Valverde - "é muito forte e inteligente", diz - e este ano deu o passo de deixar o conforto de um país onde era uma autêntica estrela, até com direito a ser recebido pelo rei. Tem apenas 24 anos, mas na curta carreira conheceu vários sucessos, tanto em África como na Ásia. Venceu a UCI Africa Tour em 2015, mas chegou o momento em que quis mais. Foi na Kuwait-Cartucho.es que encontrou o passaporte para entrar em corridas com outro tipo de competitividade. Adaptar-se a outra realidade é sempre um desafio, mas para Mraouni o maior tem sido ser um ciclista "normal".

Na Europa é mais um entre os muitos que trabalham para chamar a atenção das grandes equipas. Não tem sido fácil a adaptação, pois de ser conhecido em todo o lado, é agora apenas mais um. No entanto, mesmo tendo de lidar com o anonimato da realidade que agora vive, Mraouni mantém-se fiel aos seus sonhos. "Eu quero continuar no ciclismo e daqui a dois anos subir", explicou ao Volta ao Ciclismo. O marroquino quer estar noutro nível rapidamente, contudo, sabe que tem ainda muito a aprender e é por isso que vê a equipa Kuwait-Cartucho.es como ideal para este processo de evolução, ainda mais quando tem como companheiros os experientes Davide Rebellin e Stefan Schumacher.

Mraouni destacou-se desde cedo em Marrocos, sendo visto como um ciclista para todo o terreno, que em grupos reduzidos fazia-se valer da boa velocidade final para conquistar bons resultados. Agradecido por ter a oportunidade para experimentar outras competições, foi em África que alcançou os três triunfos em 2017 (dois na Volta aos Camarões e um na Volta a Marrocos). Já andou por França, Espanha, até na China, mas em Portugal encontrou o país que gostou, até porque encontrou o tempo quente que gosta, além de ter elogiado os portugueses. "Ando melhor com o calor. Estou mais habituado", admitiu. Ainda assim, não escondeu que subir à Torre na Volta a Portugal "foi um dia difícil".

E foi precisamente nessa corrida por cá que Mraouni teve um teste importante, apesar de ter terminado num discreto 104º lugar, a quase três horas do vencedor, Raúl Alarcón. Foi uma prova por etapas a um ritmo diferente ao que está habituado e o marroquino salientou que foi melhorando com o passar dos dias, o que o motiva para as próximas corridas que tiver de enfrentar com competitividade idêntica. Porém, não conseguiu mostrar-se no palco mais importante do ano para si: abandonou nos Mundiais de Bergen.

Quem conhece Mraouni diz que este ano não parece a mesma pessoa, pois deixou os holofotes da fama local para trás. Não são momentos fáceis para um jovem que se habituou a ser uma estrela, mas vem de um continente que aos poucos vai começando a ver os seus ciclistas aparecerem e a serem respeitados e procurados por grandes equipas, muito devido ao trabalho da formação da Dimension Data. Mraouni segue o seu caminho, no anonimato, mas sem abandonar o sonho de um dia falarem dele ao mais alto nível.

»»Rebellin a viver um dia de cada vez e à espera que as pernas lhe digam para parar««


29 de setembro de 2017

Fechou-se mais um capítulo na luta da família por Pantani

(Fotografia: Hein Ciere-Wikiportrait)
Marco Pantani. Um nome que desperta emoções mistas. Por um lado recordamos dos grandes momentos no Giro e Tour de um trepador nato, dado para o espectáculo. Muitas horas se passou frente ao televisor a ver aquele ciclista, careca, com a alcunha de "Pirata", a subir como poucos conseguiam, a falhar quando poucos arriscariam, a ganhar onde e como muitos apenas sonhavam em fazer. Claro que por mais que se goste de recordar esses momentos, é impossível dissociar essa era do que mais tarde se veio a comprovar. O uso de doping estaria disseminado no pelotão. Há nomes que ficaram manchados como o de Lance Armstrong, mas o de Marco Pantani dividi-se entre lado negativo e o de um dos grandes ciclistas da história da modalidade. Talvez a sua prematura morte tenha ajudado a criar o mito do "Pirata". Talvez todas as teorias que foram aparecendo tenham a sua parte da responsabilidade também. Seja o que for, Pantani é um nome recordado por muitos com saudade.

Caiu em desgraça em 1999, acabando por morrer devido a uma overdose anos depois. Os pais do ciclista muito têm lutado por limpar o seu nome naquilo que se tornou uma história de mistério em redor da morte de Pantani. Houve mais um episódio desta autêntica saga e que tem levado a família a perder sempre nesta batalha com a justiça. A mãe, Tonina, e o pai, Paolo, levaram o caso até ao Supremo Tribunal, numa tentativa de provar a tese que Pantani foi obrigado a tomar a cocaína - alegadamente diluída em água - depois de ter sido agredido. Os assassinos teriam depois simulado que o ciclista tinha sofrido uma overdose. O Supremo Tribunal confirmou as duas decisões que tinham sido tomadas anteriormente, em Rimini, onde Pantani morreu.

Antes a família já tinha tentado provar que por detrás da expulsão de Marco Pantani do Giro em 1999 - quando se preparava para o vencer - estava a máfia. Alegadas apostas desportivas estariam na base desta tramóia. Pantani acusou um resultado anómalo de hematócrito e foi expulso. Faltava uma etapa para terminar a Volta a Itália, Pantani tinha vencido quatro etapas, incluindo as últimas duas. Um Giro de sonho, tornou-se num pesadelo.

Foi o início da queda de Pantani. Reapareceu em 2000, mas já não era o mesmo, apesar das duas vitórias no Tour. Passou os anos seguintes sem conseguir acabar uma grande volta. Fê-lo apenas em 2003, na que viria a ser a sua derradeira. Um Giro em que ficou na 14ª posição, a quase meia hora do vencedor Gilberto Simoni. A 14 de Fevereiro de 2014, o mundo do ciclismo ficou de luto. A depressão levou o "Pirata" a esconder-se na droga. Tinha 34 anos.

Conspiração? Ou simplesmente uma overdose? A luta dos pais de Pantani deixou em aberto o que realmente aconteceu naquele dia com as teorias que surgiram, sem que conseguissem prová-las. A justiça não lhes deu razão. Até houve condenações há uns anos. Quatro homens foram presos por terem fornecido a droga ao ciclista. Um acabou absolvido, os outros cumpriram penas entre os dez meses e quatro anos.

A família lutou para que a memória da morte de Pantani não fosse aquela que oficialmente está registada. Porém, os adeptos de ciclismo recordam o "Pirata" pelo que fez na estrada. As camisolas da Mercatone Uno são uma relíquia, as suas bicicletas são autênticas peças de museu, o uso de lenços na cabeça faz sempre recordar o estilo deste italiano rebelde que há-de continuar a ser lembrado provavelmente por muito tempo. Todos os anos se fala dele, pois continua a ser o último ciclista a vencer o Giro e Tour no mesmo ano (1998).

Escreveram-se livros, fez-se um filme, ergueram-se memoriais, criou-se uma corrida com o seu nome. Marco Pantani é uma lenda, principalmente em Itália, mas um pouco por todo o mundo com tradição no ciclismo continua a ser admirado. Terminou este capítulo da luta judicial, ficam todos aqueles que criou em vida numa bicicleta.

»»Contador e as voltas perdidas por doping: "Uma das maiores injustiças no desporto"««

»»Jan Ullrich e o regresso ao ciclismo por quatro dias««

28 de setembro de 2017

Contas derraparam e noruegueses estão a ajudar a pagar Mundiais de Bergen

(Fotografia: Facebook 2017 UCI Road World Championships)
A derrapagem nas contas dos Mundiais de Bergen ronda, para já, os sete milhões de euros. Porém, numa altura em que se está a terminar a contabilidade da competição de oito dias, ainda faltam registar algumas facturas, pelo que valor poderá subir. O sucesso dos Mundiais naquela cidade norueguesa foi bem visível, com o público a aderir em massa ao evento. Muitos também vêem como foi uma excelente forma de promover Bergen a nível turístico. Talvez por tudo isso, os noruegueses estão a ajudar a pagar. Ao ser divulgado o problema financeiro, somaram-se as doações, tendo sido mesmo iniciado um crowdfunding que já tem mais de 300 mil euros.

"Nós aqui em Bergen2017 estamos orgulhosos do povo norueguês pelo seu comprometimento para com os Mundiais através da iniciativa começada pelo próprio [povo]", lê-se na página de Facebook dos campeonatos. Estes casos não são novos. Os Mundiais de Ponferrada, por exemplo, ainda dão muito que falar em Espanha, três anos depois. A derrapagem já vai em 12 milhões euros...

Para se perceber melhor, os Mundiais de Bergen tinham um orçamento de 16,6 milhões de euros, mas o custo já vai em 23,5. Para agravar a situação, alguns media locais estão a noticiar que a federação norueguesa pode estar perto da bancarrota. O presidente do organismo, Harald Tiedemann, disse na semana passada que estava preocupado com os custos e como se iria pagá-los. "Não posso negar que haverá grandes perdas. Só espero que aquelas pessoas com influência possam apreciar a fantástica promoção de Bergen e de todo o país e que não permitam que a federação sangre devido a isso", afirmou o responsável.

Com o lançamento do crowdfunding, espera-se que uma parte do problema possa ser amenizado. No entanto, perante o exemplo de Ponferrada, o assustador cenário de dívidas é algo que para já não está a ser afastado.


Descida de categoria da Volta à Turquia parece ser inevitável

(Fotografia: Facebook Volta à Turquia)
Será este um fim anunciado de uma curta aventura no World Tour? A organização da Volta a Turquia já não poderá usar as clássicas de Abril como desculpa para a falta de interesse das principais equipas em estar na corrida que este ano subiu à categoria mais elevada. Em Fevereiro pediu à UCI para adiar a data, pois só uma estaria inscrita. O organismo acedeu e agendou para 10 a 15 de Outubro, em vez de 18 a 23 de Abril. O resultado é que mais três formações do principal escalão se inscreveram, mas se de facto apenas quatro aparecerem, a prova poderá estar condenada à descida, eventualmente já em 2018.

Com a reformulação do calendário do World Tour em 2017, a entrada de novas corridas foi acompanhada por algumas regras especiais. Em primeiro lugar as equipas do escalão não estariam obrigadas em participar, ao contrário do que acontece com as restantes competições que já pertenciam ao calendário. As novas provas tem de garantir que pelo menos dez das formações estejam presentes. Se em dois anos consecutivos tal não acontecer, a competição volta a descer de categoria.

Bora-Hansgrohe, Trek-Segafredo, UAE Team Emirates e Astana são as únicas equipas do World Tour que estarão inscritas, segundo o Cycling News. Na Quick-Step Floors, por exemplo, nenhum ciclista quer viajar para a Turquia. Foi o próprio director Patrick Lefevere quem o admitiu em Fevereiro. A corrida até fazia parte do calendário da formação belga, mas nenhum corredor quis participar.

Agora já não há forma de tentar disfarçar o que realmente está em causa. A insegurança e instabilidade política que se vive na Turquia não transmitem confiança a ninguém. Os ataques terroristas assustam, mas a tentativa de golpe de Estado e a forma como politicamente o presidente Erdogan tem liderado o país, causam ainda mais nervosismo a quem tem de viajar para a Turquia. Um dos responsáveis da Lotto Soudal, Marc Sergeant, deu precisamente esses dois exemplos para justificar a ausência da equipa, em Abril, e parece que não há intenção de mudar de ideias.

Quando a Volta à Turquia reapareceu no calendário da UCI em 2008, até começou por atrair várias equipas do World Tour. Porém, com o passar dos anos essa presença foi diminuindo, muito devido aos casos de doping que surgiram, inclusivamente num dos vencedores turcos. Apesar do interesse ser mais reduzido, a boa estrutura organizacional acabou por ser uma grande ajuda para que recebesse o estatuto de World Tour em 2017.

Porém, tudo está a correr mal. Até a apresentação das etapas só aconteceu na segunda-feira. Perante a realidade que já não é possível esconder atrás de desculpas como "má altura no calendário", poderá acontecer que a Volta a Turquia em 2018 já não esteja no calendário World Tour. Para já aparece nele, mas se se confirmarem apenas quatro equipas do principal escalão, descer de categoria e não esperar mais um ano, poderá ser uma forma até para salvaguardar a corrida. A nível financeiro o gasto é muito superior quando se está no World Tour. Haverá decisões a tomar depois do dia 15 de Outubro.

De recordar, que o vencedor em 2016 foi o português José Gonçalves. Então na Caja Rural, foi uma vitória que colocou o gémeo na rota de uma grande equipa mundial. Foi a Katusha-Alpecin, de José Azevedo, que o foi buscar. E não estará inscrita este ano, pelo que Gonçalves não estará na Turquia para usar o dorsal número um.

Apesar dos problemas, a Volta à Turquia irá pelo menos realizar-se, o que não aconteceu com a Volta ao Qatar. Era outra das corridas novas no World Tour, mas problemas financeiros levaram ao seu cancelamento.

»»Já é conhecido o calendário do World Tour para 2018««

»»Orçamentos muito mais altos, falta de garantias e insegurança. Organizadores das novas corridas do World Tour questionam benefícios da subida de categoria««

»»Federação compromete-se a organizar a Volta ao Qatar em 2018««

27 de setembro de 2017

Amaro Antunes assina pela CCC Sprandi Polkowice. A decisão certa?

(Imagem: CCC Sprandi Polkowice)
Era quase inevitável a W52-FC Porto perder Amaro Antunes. Com a subida de escalão da equipa do Sobrado adiada, a época do algarvio deixou muitas equipas de olho no ciclista, segurá-lo era uma missão a rondar o impossível. A escolha está feita. Amaro vai para a CCC Sprandi Polkowice, uma das principais equipas do escalão Profissional Continental e que abrirá portas a corridas do World Tour. A formação polaca esteve este ano na Volta a Itália, presença que poderá repetir-se em 2018, já que continua-se a falar de um possível início na Polónia em breve. Para o ano, será em Jerusalém.

A CCC procurava um ciclista com características de trepador para ocupar o lugar de Jan Hirt, checo que se mostrou no Giro e que a Astana já garantiu para 2018. Amaro Antunes - assinou por dois anos - terá assim uma excelente oportunidade de ser um líder em provas de maior nível. "Estou muito feliz por assinar pela CCC Sprandi Polkowice. É uma equipa que dá aos ciclistas a oportunidade perfeita para competir ao mais alto nível. Espero em 2018 continuar a minha progressão e ter a oportunidade de lutar por boas posições nas corridas mais importantes no calendário", afirmou o ciclista, no site da formação polaca.

Podem parecer palavras de circunstância, mas revelam bem a ambição de Amaro Antunes. Esta será a segunda aventura no estrangeiro para o corredor de Vila Real de Santo António. Em 2013 esteve na estrutura italiana Continental da Ceramica Flaminia-Fondriest. O projecto não foi bem o que era esperado. Tanto ele, como António Barbio e Rafael Reis - Pedro Paulinho também lá esteve uns meses - não encontraram o que precisavam para evoluir. Foi em Portugal que Amaro foi construindo a sua reputação de excelente trepador, apesar de não conseguir ser o líder indiscutível de uma equipa. Ainda assim, nos últimos quatro anos foi sempre top dez na Volta a Portugal.

Mas claro, este 2017 foi simplesmente fantástico. Segundo lugar na Volta atrás de Raúl Alarcón, rei da montanha, vencedor da etapa na Torre e uma exibição tremenda durante toda a corrida. Em Fevereiro conseguiu um triunfo que o marcará para sempre: ganhou no "seu" Alto do Malhão, na Volta ao Algarve, uma corrida com algumas das figuras do World Tour. Antes, na Volta à Comunidade Valenciana, mostrou a Nairo Quintana como não temia em tentar segui-lo. O colombiano levou a melhor, mas Amaro ficou num excelente terceiro lugar na subida em Llucena.

Ganhou a Clássica da Arrábida e o Troféu Joaquim Agostinho. A W52-FC Porto contratou-o depois da LA Alumínios-Antarte ter optado por fechar portas. Apesar de não ser o líder único, Nuno Ribeiro, o director desportivo, soube gerir de forma perfeita um plantel de luxo. Quando Amaro foi líder, ganhou, quando Raúl Alarcón foi líder, também. E ambos nunca tentaram "passar por cima" do número um da equipa Gustavo Veloso.

Numa formação com tantos ciclistas ambiciosos, tudo funcionou na perfeição, mas claro que se paga o preço de se os ver sair para estruturas com outro potencial financeiro e ao ser do escalão Profissional Continental, fica-se com a possibilidade de estar em corridas do World Tour.

Aos 26 anos (faz 27 em Novembro), Amaro Antunes dá o salto de uma forma ponderada. É difícil resistir à tentação de dizer que tem a qualidade para estar no World Tour, mas a CCC poderá ajudá-lo a evoluir para lá chegar e, se calhar, com outro estatuto que não apenas de homem de trabalho, como inevitavelmente aconteceria se esse passo fosse tomado agora. Não nos podemos esquecer que poderá ser líder na CCC, algo importante e que Amaro Antunes merece.

»»A Volta de Alarcón e de um senhor Amaro Antunes««

»»Desculpa Roglic, mas vamos falar de Amaro Antunes««

»»Movistar quer Raúl Alarcón««

Ciclistas com barba? Nesta equipa, nem pensar

Geschke sabe que há uma equipa onde não terá lugar (Fotografia: Facebook Sunweb)
Longe vão os tempos dos ciclistas de cara lavada e cabelo mais ou menos cortadinho. A importância do visual é hoje algo também levado muito em conta por muitos ciclistas. A barba é certamente o look mais vísivel, ainda que os penteados também tenham o seu espaço: não dêem bonés a Marcel Kittel que ele não vai tapar o seu cabelo e até recentemente Sagan tinha uma cabeleira no mínimo estranha... Mas voltemos à barba. A questão da aerodinâmica não parece ser um factor a ter muito em conta actualmente. Podemos novamente falar de Sagan. Não teve uma barba, mas lá tinha uma barbicha (agora está mais aparada) e ainda assim continuou a ganhar! Já entre os trepadores é algo não se vê.

Higiene. Aí está outra questão e é a que está no centro de uma proibição invulgar nos tempos que correm. Bom, higiene e o aspecto, a julgar pelas declarações. Ciclista que esteja na equipa belga Sport Vlaanderen-Baloise tem de andar de barba feita. Porquê? "Somos uma equipa de ciclista, com corredores e não pilotos de motocross ou jogadores de râguebi. O ranho e restos de comida na barba de um ciclista no meio de uma corrida é algo sujo", escreveu Walter Planckaert, director desportivo da formação Profissional Continental. Planckaert é um antigo ciclista, com vitórias na Volta a Flandres, Amstel Gold Race, Kuurne-Bruxelles-Kuurne e até uma etapa no Tour, todas na década de 70.

Talvez não seja preciso barbearem-se todos os dias, mas os ciclistas não podem abusar, pois Planckaert avisa que não terão lugar na equipa. Naturalmente que a decisão foi recebida com algum divertimento, críticas e também palavras de apoio. Quem está de fora pode dizer o que quiser, quem está na equipa, já sabe: não se pode esquecer da máquina de barbear! Simon Geschke, o "barbudo" do pelotão World Tour já sabe para onde não poderá ir se sair da Sunweb...


26 de setembro de 2017

Contador e as voltas perdidas por doping: "Uma das maiores injustiças no desporto"

(Fotografia: Facebook Alberto Contador)
A saga de entrevistas continua. Alberto Contador vai fazendo uma espécie de ronda pelos meios de comunicação sociais espanhóis e abordando vários aspectos da sua carreira. Desta vez falou sobre um dos temas que mais o melindra: a suspensão por doping. Ficou conhecido como o caso do "bife à Contador", já que o espanhol defendeu-se dizendo que teria comido um bife contaminado com a substância (clembuterol) que acabou por levar a uma suspensão e à perda do Tour de 2010 e do Giro de 2011.

Nessa Volta a Itália, Contador competiu enquanto esperava pela resolução do caso. Ganhou, mas como foi decidido que o espanhol deveria cumprir uma suspensão de dois anos, o ciclista ficou sem esse Giro, com Michele Scarponi a ser proclamado o vencedor. "É uma tremenda injustiça. O palmarés final são três coroas triplas. As pessoas que demonstraram interesse sabem que é uma das maiores injustiças que se fez no desporto", afirmou Contador no programa El Transistor, da rádio Onda CeroPara Alberto Contador o seu palmarés inclui nove grandes voltas (três Giro, Tour e Vuelta), ainda que oficialmente sejam sete. "Não dou importância ao que possa aparecer num papel", disse.

Na entrevista, o espanhol revelou ainda o dia em que percebeu que estava na altura de se retirar. Aconteceu durante a Volta a França: "Cheguei ao Tour e no quinto dia, em Planche des Belles Filles, não se senti bem, mas salvei-me. Porém, chegou a nona etapa de Chambery. Caí duas vezes e isso eliminou-me na geral. Aos 25 anos pensas que terás outra oportunidade para ganhar, mas com a minha idade [34, faz 35 em Dezembro], já és velho e isso vê-se no rendimento da etapa. Nesse dia tomei a decisão de retirar-me."

Voltou-se a falar do adeus na Vuelta e do que fará agora. Repetiu o quanto foi bonita a sua despedida e desvendou que não tem qualquer intenção de ser director desportivo. Contador irá estar mais concentrado na sua fundação, nas equipas de jovens e na que será criada e que quer colocar no escalão Profissional Continental. No entanto, garante que pretende assumir o papel de um presidente e não de um director desportivo: "Acho que me provocaria muita tensão."

De entrevista em entrevista, Contador vai abordando a sua carreira, a sua vida, o seu futuro. A carreira acabou, mas a atenção mediática deverá continuar em alta durante mais algum tempo, principalmente em Espanha.

»»Contador, as batatas fritas, os bolos e as pizzas. A vida pós-ciclismo««

»»Contador percebeu que afinal tinha quatro sonhos para concretizar enquanto ciclista««

»»Carta aberta a Alberto Contador««

Sanção mais pesada para quem beneficiar de "boleia" dos carros de apoio

(Imagem: print screen)
A partir de 1 de Janeiro de 2018, quem for apanhado a ser levado por um carro de apoio não irá apenas enfrentar a desqualificação da corrida e uma multa de 200 francos suíços (cerca de 175 euros). Gianni Moscon foi o caso mais recente, nos Mundiais de Bergen, mas este ano já Romain Bardet tinha sido desqualificado - e consequentemente expulso - do Paris-Nice pela mesma razão. A UCI quer persuadir que situações destas continuem a acontecer e a nova sanção prevê uma possível suspensão de um mês e a multa sobe para cinco mil francos suíços (cerca de 4400 euros).

Não é invulgar ver os ciclistas tentarem aproveitar a deslocação dos carros para recolar ao pelotão, colocando-se atrás destes ou até agarrarem-se para o mecânico realizar algum trabalho, por exemplo. Desde que não exagerem, por norma não há problema. A questão está mesmo em agarrarem-se e o veículo acelerar, recuperando assim vários metros. Moscon, por exemplo, caiu a 35 quilómetros da meta e depois foi buscar um bidão ao carro. As imagens captam como naquele momento houve uma aceleração, sendo demasiado óbvio já que Sergio Henao, que também tinha caído, ficou rapidamente para trás. O ciclista italiano até chegou a estar numa fuga nos quilómetros finais, foi 29º, mas acabou desqualificado. Outro exemplo muito popular foi o de Vincenzo Nibali na Volta a Espanha de 2015. Tanto ele como o condutor do veículo, membro da equipa da Astana, foram mandados para casa.

Quanto ao caso de Moscon, um dos responsáveis da selecção italiana, Davide Cassani, assumiu publicamente a responsabilidade do que aconteceu. "A culpa foi minha. Eu dei-lhe o bidão e disse-lhe para se agarrar. Sei que não o deveria ter feito e peço desculpa porque toda a Itália fica mal vista. No entanto, o que aconteceu não deverá afectar a imagem do Gianni. Ele não merece ser afectado por isto. Ele é uma boa pessoa e honesta", salientou Cassani, à Gazzetta dello Sport.

Outra mudança nas sanções que será implementada pela UCI em 2018 é relativa a quem atravessa passagens de níveis quando a cancela vai fechar ou já estiver fechada, como aconteceu no Paris-Roubaix, em 2015. Até agora o ciclista seria ou desqualificado ou ainda durante a corrida poderia ser obrigado a abandonar. Agora o infractor enfrentará também uma pena de um mês de suspensão mais a multa de cinco mil francos suíços.

Estas alterações chegam quando David Lappartient foi eleito o novo presidente da UCI, na quinta-feira. No entanto, ainda foram acordadas durante o mandato do antecessor Brian Cookson, tal como a redução do número de ciclistas nas corridas: de nove para oito nas grandes voltas e de oito para sete nas restantes competições.

Sagan não compete mais este ano e foi relaxar no BTT

(Fotografia: Bora-Hansgrohe)
Não vamos ver mais o tricampeão do mundo com a sua camisola arco-íris na estrada este ano. Cumprido o objectivo nos Mundiais, Peter Sagan quer agora aproveitar para se dedicar à família, tendo como desejo estar presente no nascimento do seu primeiro filho. O eslovaco só regressa à competição em 2018 e tem já definido as duas corridas que vão assumir grande importância na sua temporada: a Milano-Sanremo e o Paris-Roubaix são para ganhar. Esta decisão de não competir mais em 2017 significa que não se cumprirá a tradição de ver o campeão do mundo na Lombardia, o que não é surpresa, já que não é uma das clássicas que melhor assente a Sagan. Talvez mais tarde na carreira, se quiser e estiver na condição de ser um dos ciclistas a vencer os cinco monumentos. Para já, só tem a Volta a Flandres.

"Quero fazer as coisas que não tenho tempo para fazer durante a temporada e quero dedicar-me à família. Agora vou para casa e desfrutar da família o máximo que puder. Durante a época estou longe, a viajar para algum lugar no mundo. Agora quero aproveitar estas coisas e preparar-me para a chegada do bebé", afirmou Peter Sagan, numa conferência de imprensa em Lienz, na Áustria. O filho está previsto nascer no final de Outubro ou no início de Novembro.

Peter Sagan termina a época em alta, mas 2017 foi algo aziago. Conquistou 12 vitórias, contudo, falhou dois dos objectivos. Nas clássicas não ganhou qualquer dos monumentos, conquistando apenas a Kuurne-Bruxelles-Kuurne, que apesar de uma importante corrida da fase do pavé, nem pertence ao World Tour. Foi batido por Michal Kwiatkowski na Milano-Sanremo, acabou por nem estar na discussão do Paris-Roubaix e antes caiu na Volta a Flandres quando perseguia Philippe Gilbert. Depois foi o episódio da Volta a França, numa expulsão polémica e que Sagan apenas quer deixar no passado, mas será difícil esquecer. Terminou em grande com os Mundiais, tendo antes conquistado a Grande Prémio do Quebeque.
(Fotografia: Bora-Hansgrohe)

Sagan na estrada só para o ano, em competição, claro, mas entretanto já se sabe como o eslovaco gosta de trocar a bicicleta por uma de BTT. Desde os Jogos Olímpicos que não vai a corridas, mas sempre que pode vai dar a sua volta acompanhado por amigos. A sua presença na Áustria também esteve relacionada com a apresentação do Alban Lakata Mountainbike-Trail naquele país. E Sagan não se fez de rogado e foi experimentar.


25 de setembro de 2017

Moscon entre o talento e a polémica: foi desqualificado dos Mundiais

(Fotografia: Jérémy-Günther-Heinz Jähnick
Deinze-Nokere Koerse/Wikimedia Commons)
Quis fazer de 2017 o ano da afirmação, depois de um 2016 de estreia no World Tour, e logo na Sky, com resultados que deixaram a equipa britânica a sorrir. Ficou claro que o italiano poderá ser uma boa aposta para as clássicas, mas que também poderia vir a ser útil ao serviço de Chris Froome e em corridas por etapas. Teve as oportunidades e sobre agarrá-las, só não soube afastar-se de polémicas.

Em Abril proferiu comentários racistas contra Kevin Reza, ciclista da FDJ, na Volta à Romandia. Acabou suspenso seis semanas e teve de frequentar um curso de consciencialização. Foi ainda ameaçado de despedimento se repetisse a situação. O assunto acabou por ficar por ali, mas Moscon volta agora a estar envolvido numa situação desnecessária e sempre feia. O italiano foi apanhado pelas câmaras de televisão a receber uma "boleia" do carro de apoio depois de ter sofrido uma queda. Foi anunciada a sua desqualificação.

Há quem lhe chame a manobra ao estilo Nibali (recordando quando o italiano foi expulso da Vuelta por situação igual), mas mesmo sendo de outra nacionalidade, Romain Bardet também recebeu uma boleia destas este ano. O resultado é sempre o mesmo. Moscon não foi expulso da corrida, pois já a tinha acabado, mas perdeu o 29º lugar que tinha alcançado. Aos 23 anos ambicionou fazer uns Mundiais fantásticos. Nos contra-relógios, ficou com o bronze no colectivo e foi sexto no individual. Na corrida em linha esteve em fuga com Julian Alaphilippe já nos quilómetros finais, mas acabou por ceder. Ainda assim, foi mais uma demonstração da sua qualidade, ele que se estreou em grandes voltas em Espanha e deixou Chris Froome muito agradado com o seu trabalho. E terminou numa excelente 27ª posição. Foi quinto no Paris-Roubaix, campeão nacional de contra-relógio e também quinto na prova em linha.

Porém, de pouco serviria ter feito melhor no domingo. A cerca de 35 quilómetros sofreu uma queda, juntamente com Sergio Henao. O carro de apoio chegou e ofereceu um bidão a Moscon. Foi demasiado clara que o veículo acelerou levando Moscon à boleia, enquanto Henao se esforçava para recuperar ritmo, mas viu o italiano afastar-se muito em poucos segundos. Castigo aplicado e espera-se que seja mais uma lição aprendida.

Apesar de ainda não ter sido anunciada a renovação de contrato com a Sky, será expectável que tal aconteça. Moscon tem um futuro promissor, sendo ainda uma incógnita em que tipo de ciclista poderá evoluir. Será uma aposta para as clássicas, ou irá mais para corridas por etapas. Não é de excluir que faça ambas, mas se continuar a exibir-se ao nível do que fez na Vuelta... Porém, terá de rever este tipo de atitude que não ajudam nada na construção de uma reputação de respeito. Há responsabilidade por parte de quem ia a conduzir, mas Moscon não pode afastar-se da que também é sua.

O ciclista da Sky conseguiu ainda ser o centro das atenções em 2017 por um dos momentos mais insólitos do ano. No contra-relógio colectivo que abriu o Tirreno-Adriatico, o italiano sofreu uma aparatosa queda porque a roda da frente simplesmente se desfez.

Aqui ficam as imagens que valeram a desqualificação de Moscon nos Mundiais de Bergen.
»»O discreto mas igualmente eficaz Peter Sagan faz história««

»»Joni Kanerva, o nome que também marca os Mundiais e que reacende a discussão da segurança no pelotão««

24 de setembro de 2017

O discreto mas igualmente eficaz Peter Sagan faz história

(Fotografia: Facebook UCI)
Durante a corrida, principalmente quando o ritmo aumentou, questionava-se onde está Peter Sagan? Uma espécie de "Onde está Wally", mas com a dificuldade acrescida da camisola do eslovaco ser idêntica à de outras selecções. Sagan escondeu-se no pelotão. Eram os ciclistas da Bélgica, Holanda, Grã-Bretanha e até de uma ambiciosa Polónia que mais se mostravam. Os noruegueses apareceram mais perto do fim. Sagan apareceu mesmo no final, quando era necessário aparecer. Lá estava ele a sprintar, a vir de trás e a passar todos. Atirou a bicicleta na meta e deixou Alexander Kristoff frustrado naquela que poderá ter sido a melhor oportunidade do norueguês em conquistar o título mundial. E teria sido em casa! Mas não. Tudo continuará dentro da normalidade que se vive nos últimos dois anos, com Sagan vestido com a camisola do arco-íris, a lutar pelas clássicas e com contas para ajustar na Volta a França em 2018. O australiano Michael Matthews foi terceiro, ele que já tinha ficado logo atrás de Sagan em Richmond2015.

Não foi o Sagan de ataque, de se mostrar, de controlar todas as tentativas de fugas. Deixou a corrida decorrer, deixou que fossem as selecções mais fortes a tentar apanhar as várias mexidas nuns últimos 90 quilómetros electrizantes. Teve paciência, ou sangue frio, como lhe queiram chamar. Por momentos, admitiu, pensou que nada haveria a fazer quando Julian Alaphilippe e Gianni Moscon se destacaram, com o francês a isolar-se.

Uma falha na transmissão televisiva num momento crítico não permitiu que se visse o que aconteceu durante cerca de dois quilómetros. Por momentos fomos todos membros do público em Bergen, à espera que os ciclistas aparecessem na curva, já dentro do último quilómetro. Até teve a sua piada, agora que tudo terminou. Aumentou a emoção, disso não há dúvida! Mas não repitam a falha técnica, se faz favor! O pelotão surgiu praticamente compacto. Os sprinters ganharam a luta de garantir que assim se resolveriam os Mundiais. Sagan ganhou a luta dos sprinters. É outra vez campeão. Pela terceira vez consecutiva. É o primeiro ciclista a fazê-lo. Essa parte da história ninguém lhe tirará. É já uma lenda dos Mundiais.

(Imagem: print screen)
Peter Sagan junta-se a uma curta lista de ciclistas com três títulos mundiais: o italiano Alfredo Binda (1927, 30 e 32), o belga Rik van Steenbergen (1949, 56 e 57), também da Bélgica o inevitável Eddy Merckx (1967, 71 e 74) e o espanhol Oscar Freire (1999, 2001 e 2004). O eslovaco, agora com 101 vitórias como profissional, começou o seu reinado em Richmond, nos EUA, com uma vitória a solo. Há um ano foi a Doha, Qatar, mostrar que pode não ser um sprinter puro, mas pode batê-los. Agora, em Bergen, onde no circuito muito se viram imagens de Sagan e bandeiras eslovacas, quase as únicas que quebravam o cenário de bandeiras da Noruega, Sagan foi novamente ao sprint, com homens que também o defrontam nas clássicas. Ganhou. Só falta um título à trepador e se quer o quarto consecutivo, terá de o conseguir já que em Innsbruck, na Áustria, o percurso será do agrado a ciclistas com estas características. Talvez 2018 não seja para ele, mas terá a ambição de se tornar o primeiro a eventualmente chegar aos quatro títulos.

Os Mundiais de 2018 estão longe. Até lá, Sagan tem muito a mostrar novamente com uma camisola que lhe fica tão bem. Quem conquista o título é sempre merecedor (às vezes mais do que outras), mas há ciclistas a quem o arco-íris assenta melhor. Muito se falava da maldição desta camisola, com os campeões mundiais a terem dificuldades em ganhar quando a envergavam. Recuando aos mais recentes campeões: Michal Kwiatkowski venceu duas vezes (Amstel Gold Race e prólogo do Paris-Nice), Rui Costa ganhou uma etapa na Volta à Suíça e a geral, Philippe Gilbert conquistou uma etapa na Volta a Espanha, Mark Cavendish... 14 vitórias com a camisola de campeão do Mundo!

Ficamos pelos ciclistas que ainda estão no activo, ainda que o britânico não tenha estado em Bergen. E tal como Cavendish, a famosa maldição não atinge Sagan. Em 2016 ganhou 12 vezes (sem contar com classificações dos pontos, com o título Europeu e a revalidação do Mundial), em 2017 já são 11, mais esta vitória em Bergen e também umas classificações por pontos. Começa de novo a contagem, faltando saber se irá cumprir a tradição do campeão do Mundo mostrar-se na Lombardia, quinto e último monumento do ano (há um ano isso não aconteceu, porque os Mundiais de Doha realizaram-se em Outubro devido ao calor).

Curiosidades numéricas à parte, Peter Sagan esteve tacticamente bem nesta corrida. Ele que esteve doente depois das clássicas do Canadá e tentou dizer que não era favorito (como se alguém acreditasse...), não se desgastou desnecessariamente e aproveitou a oportunidade quando ela se proporcionou. Houve sprint e Sagan foi à luta, mas nunca se o viu meter-se nos ataques que antes Tim Wellens lançou, ou Tom Dumoulin e até a perigosa movimentação de Alaphilippe e Moscon.

Não foi bem o Sagan que estamos habituados a ver, mas venceu. Falta-lhe agora estabelecer o estatuto de grande nas clássicas, principalmente nos monumentos. Apenas uma Volta a Flandres parece escasso para alguém tão dotado para estas competições de um dia. A competição é outra, as equipas do World Tour não são as selecções. Ambiente diferente, é certo, mas em 2018 pede-se - para não dizer que se exige - que Sagan conquiste pelo menos mais um monumento com a camisola do arco-íris.

27 anos e uma carreira brilhante e ainda com tanto para dar. É este tipo de ciclista que nos faz gostar tanto deste desporto! E num momento de festa, este grande atleta sobre mostrar que também é um senhor quando quer. Dedicou a vitória a Michele Scarponi, italiano que morreu em Abril, atropelado durante um treino. Esta segunda-feira faria 38 anos.

Rui Costa o melhor dos portugueses

(Fotografia: Luca Bettini/Federação Portuguesa de Ciclismo)
Já se sabe que no que diz respeito a estar bem colocado no pelotão Rui Costa é exímio. O poveiro fez-se valer dessa sua qualidade para estar com os melhores quando a corrida acelerou a 90 quilómetros do final (foram 276,5 no total). Com as equipas com sprinters a fazerem tudo para eliminar fugas, tornou-se difícil para Rui Costa sair do grupo. Ainda tentou seguir Tom Dumoulin na subida e atacou na última volta, mas numa zona mais plana e cujo o sucesso de uma fuga estava praticamente condenado ao insucesso. Quando o grupo surge na curta recta da meta, Rui Costa aparece junto aos candidatos para aquele tipo de final. Naquela altura já não se esperava muito mais do que o top 20 que alcançou (19º).

“Acabou por acontecer o que eu temia. A corrida foi muito dura, sobretudo desde a altura em que a Holanda e a Bélgica pegaram na corrida, a cerca de 90 quilómetros do fim, mas a subida não era suficientemente extensa para fazer a diferença. Passou um grupo pequeno, mas estavam lá alguns sprinters. Ainda tentei atacar, mas não era possível. Saio com a consciência de que estava bem e de que dei o meu máximo, mas o percurso não era o ideal”, afirmou o campeão do Mundo de 2013, citado pela Federação Portuguesa de Ciclismo.

Rui Costa teve quase sempre o apoio dos colegas, não havendo dúvidas que era nele que estavam centradas as opções para a corrida. No entanto, todos acabaram por se atrasar já na parte final, com uma queda a deixar o pelotão cortado. Nelson Oliveira foi 56º a 2:32 minutos. Tiago Machado e Ricardo Vilela cortaram a meta juntos no mesmo grupo de Nelson (65º e 66º, respectivamente). José Gonçalves chegou a 11:53 minutos de Sagan (131º). O campeão nacional Ruben Guerreiro abandonou quando já não faltava muito para terminar a corrida. Para o jovem de 23 anos foi a estreia nos Mundiais na categoria de elite. Experiência importante para quem chegou em 2017 ao World Tour, através da Trek-Segafredo. Muito se espera deste ciclista. Em Bergen foi apenas mais um passo na sua evolução.



Quanto ganharam os medalhados nos Mundiais

(Fotografia: Facebook UCI)
Homens e mulheres ganharam o mesmo nestes Mundiais de Bergen, como aliás já tinha acontecido no ano passado, numa política assumida pela UCI em eliminar as diferenças financeiras entre sexos. Em 2017 não houve alterações quanto aos prémios monetários pagos em Doha, Qatar, há um ano. No total foram distribuídos 273,472 euros, com a maior fatia a nível individual a ir, naturalmente, para os campeões de elite, Chantal Blaak e Peter Sagan.

A holandesa e o eslovaco receberam 7667 euros cada um. Os segundos classificados, Katrin Garfoot e Alexander Kristoff ficaram com 5367 e Amalie Dideriksen e Michael Matthews, medalhas de bronze, com 3067 euros.

Na corrida de sub-23, que apenas se realiza no sector masculino, o campeão Benoit Cosnefroy ficou com 3833, Lennard Kämna com 2683 e Michael Carbel Svendgaard com 1533. Quanto aos juniores, Julius Johansen e Elena Pirrone tiveram um cheque de 1533, Luca Rastelli e Emma Norsgaard 1150 e os terceiros classificados Michele Gazzoli e Letizia Paternoster 767.

Nos contra-relógios individuais os campeões, os holandeses Tom Dumoulin e Annemiek van Vleuten tiveram direito a 3833 euros. Primoz Roglic e Anna van der Breggen ficaram com 2300, enquanto Chris Froome e Katrin Garfoot ficam com 1633 euros. Nos sub-23, Mikkel Bjerg recebeu 3067, Brandon McNulty 1533 e Corentin Ermenault 767.

Os juniores voltam a ficar com uma fatia mais pequena do bolo financeiro, com os campeões Thomas Pidcock e Elena Pirrone a receberem 767 euros, Antonio Puppio e Alessia Vigilia 383 e Filipe Maciejuk e Madeleine Fasnacht 230.

Já no contra-relógio por equipas esteve o maior ganho, com a Sunweb a ganhar a dobrar os 33,333 euros disponíveis para as equipas campeãs do Mundo. BMC e Boels-Dolmans ficaram com 20,833 Sky e Cervélo-Bigla com 16,666.

Há um ano o valor total foi aumentado, depois de em Richmond2015 terem sido distribuídos quase 180 mil euros em prémios monetários.

Medalheiro de Bergen2017 (inclui contra-relógio por equipas):

Holanda: 4 ouros; 2 pratas
Itália: 2 ouros; 3 pratas; 2 bronzes
Dinamarca: 2 ouros; 1 prata; 2 bronzes
Alemanha: 2 ouros; 1 prata
Grã-Bretanha: 1 ouro; 2 bronzes
França: 1 ouro; 1 bronze
Eslováquia: 1 ouro
EUA: 2 pratas
Austrália: 1 prata; 3 bronzes
Eslovénia: 1 prata
Noruega: 1 prata
Polónia: 1 bronze


23 de setembro de 2017

Corrida de elite com muitos candidatos e portugueses ambiciosos

Há dois anos que Sagan anda a ganhar corridas com a camisola do arco-íris
Irá continuar? (Fotografia: Velo Imagens/Bora-Hansgrohe)
Será que Peter Sagan vai tornar-se no primeiro ciclista a conquistar três títulos mundiais consecutivos? Foi expulso da Volta a França por terem considerado que teve uma conduta perigosa que originou a queda de Mark Cavendish. O eslovaco reagiu a uma injustiça e à polémica como melhor sabe: quando voltou à competição continuou a ganhar. Quatro vitórias e a última, no Grande Prémio do Quebeque, foi a centésima de uma carreira brilhante. E só tem 27 anos! Tem capacidade para ganhar num dia para sprinters, ou num dia para ciclistas mais completos, ou seja, que ultrapassem certas subidas. Em Bergen tem um circuito deste género à sua espera. Passar 12 vezes uma difícil subida vai doer a muitos, mas também beneficia muitos mais. Sagan tem sempre rivais, mas esta corrida em solo norueguês tem a particularidade de permitir a vários tipos de ciclistas aspirarem ao título mundial. Temos sprinters, homens de clássicas e até voltistas. Tom Dumoulin quer ter os Mundiais perfeitos: contra-relógio colectivo e individual já estão, falta o título de estrada.

Dumoulin pode espreitar uma oportunidade, mas sabe que na sua Holanda, Lars Boom ou Niki Terpstra são ciclistas mais adequados para o dia. No entanto, este Dumoulin está muito motivado e acredita que pode ganhar ou pelo menos levar mais uma medalha. Mas este percurso pode proporcionar muita história. Se assim não fosse, porque razão Nairo Quintana estaria de volta aos Mundiais quatro anos depois, acompanhado por Rigoberto Uran, Sebastián e Sergio Henao e Jarlinson Pantano? E esta Colômbia... Que selecção! Fernando Gaviria é o principal candidato, mas atenção a um jovem talentoso Jhonatan Restrepo.

Michal Kwiatkowski (Polónia) e Julian Alaphilippe (França) só pensam em vencer. O primeiro é um dos quatro campeões do Mundo presentes. Peter Sagan, Philippe Gilbert e Rui Costa fecham este grupo de elite, onde faltará Mark Cavendish - dos ciclistas em actividade - que ficou de fora da convocatória, depois de uma temporada marcada por uma mononucleose. 

Quando se olha para a lista de inscritos começa-se logo a somar os ciclistas que podem muito bem chegar ao título mundial. Uns mais favoritos do que os outros. Tentando não alongar em demasia, Michael Matthews é um caso sério para levar para a Austrália a camisola do arco-íris, depois de Cadel Evans o ter feito em 2009. O australiano perdeu para Peter Sagan em 2015. Gianni Moscon, Diego Ulissi e Elia Viviani - e porque não Sonny Colbrelli - (Itália); Zdenek Stybar (República Checa), Peter Kennaugh e Ian Stannard (Grã-Bretanha), Gorka Izagirre (Espanha) e, claro, a selecção da casa, com Edvald Boasson Hagen e Alexander Kristoff. São alguns dos candidatos, mas há muitos mais...

No caso específico da Noruega e a "jogar" em casa, muito se espera. Porém, teme-se que a rivalidade e não companheirismo entre as suas duas estrelas possa provocar mais estragos do que trazer sucesso. O problema já vem dos Mundiais do Qatar. Na altura, Kristoff acusou Boasson Hagen de não o ter ajudado e de ter tentado obter ele um bom resultado. Kristoff não teve um bom ano, mesmo ao conquistar o título europeu. Hagen esteve dentro do esperado, demonstrando chegar a Bergen em boa forma, como assim pretendia. Como vai estar a Noruega organizada? São nove ciclistas que se terão de entender.

E depois temos a Bélgica. Basicamente todos podem ser campeões se os analisarmos individualmente. Além de Gilbert, há Greg van Avermaet e Oliver Naesen. Os três tiveram uma grande temporada de clássicas. Tiesj Benoot, Jasper Stuyven, Tim Wellens, Dylan Teuns, Julien Vermote e Jens Keukeleire, completam o nove belga. Que luxo! Também será interessante ver como se vai organizar esta selecção. Com tantas possibilidades, ou há entendimento e respeito em vez de rivalidade, ou tanta qualidade poderá ser desperdiçada. Se há ano em que a Bélgica voltar a ter um campeão, é este. Gilbert foi o último em 2012.

Mais? Talvez o melhor seja deixar aqui o link para a lista de inscritos, ou ficaremos a falar de candidatos até ao início da corrida! Veja aqui o pelotão da prova de elite.

E agora os portugueses

(Fotografia: Federação Portuguesa de Ciclismo)
Porque não pensar que poderemos entrar na luta? Há que ter ambição e isso existe. Rui Costa opta por um discurso mais cuidadoso. Tiago Machado alerta como a subida vai desgastar muito boa gente. O campeão nacional Ruben Guerreiro, Nelson Oliveira - quarto no contra-relógio -, José Gonçalves e Ricardo Vilela completam a equipa portuguesa. É normal que muita atenção se vá centrar em Rui Costa, o campeão de 2013, mas se não temos ninguém para disputar um sprint, temos que sobra para entrar em fugas e mexer com a corrida. E com seis ciclistas, também será possível fazer algum controlo, ainda que não seja fácil perante as grandes selecções com nove homens.

O mais provável é que seja uma corrida muito indefinida, com muitos ciclistas a tentarem evitar o sprint final e outros a trabalharem para garantir que assim seja. A experiência de Rui Costa, Tiago Machado e Nelson Oliveira poderá ser essencial. A forma de correr muito espontânea de José Gonçalves pode abrir portas. Ricardo Vilela é a maior incógnita, mas terá um papel importante na subida que poderá definir muito a corrida. O jovem Ruben Guerreiro está desejoso de se mostrar mais um pouco no ano em que chegou ao World Tour e tem características que podem beneficiá-lo neste percurso acidentado de Bergen.

"O percurso não é perfeito para a nossa equipa. Sabemos que as selecções com sprinters querem que chegue um grupo grande e não será fácil fragmentar o grupo na subida, que não é tão exigente como eu gostaria. No entanto, nas últimas voltas haverá ataques e surgirão oportunidades. É essencial que estejamos atentos a esses momentos, porque há percursos que parecem fáceis e tornam-se difíceis", disse Rui Costa, citado pela Federação Portuguesa de Ciclismo.

“Uma coisa e fazer a subida uma vez e outra é fazê-la doze vezes. Já diz o ditado que 'carga leve, ao longe pesa'. Teremos cerca 3200 metros acumulado, o que fará mossa. Acredito que será um grupo pequeno a discutir a corrida. Temos ciclistas para estar nessa luta, precisamos é de ter os olhos abertos", acrescentou Tiago Machado.

Serão 276,5 quilómetros de espectáculo para saber quem irá vestir a desejada camisola do arco-íris. Tudo começa às 9:05 (hora de Portugal Continental), com transmissão no Eurosport.


Joni Kanerva, o nome que também marca os Mundiais e que reacende a discussão da segurança no pelotão

O ambiente de festa e de grandes corridas em Bergen recuperou a imagem que se espera de uns Mundiais e que há um ano em Doha tinha faltado. Porém, há uma realidade a que o ciclismo não escapa e Joni Kanerva é mais um nome de uma lista já longa de corredores que sofreram quedas devido a choques com veículos da caravana durante uma competição. As imagens são arrepiantes e sublinha-se de imediato que o jovem finlandês encontra-se em estado estável, tendo fracturado a clavícula, além das costelas também terem sofrido com a queda aparatosa e tem ainda vários cortes.

Joni Kanerva tem 22 anos e em Agosto conseguiu o seu primeiro contrato profissional ao assinar pela equipa Continental do Kuwait, mas com base na Suécia, Memil Pro Cycling. No Mundiais estava a pedalar a cerca de 70 quilómetros/hora - durante a prova de sub-23, na sexta-feira - entre os carros quando o acidente ocorreu. Uma sequência de eventos infeliz para Kanerva, mas que reacende a discussão sobre a segurança dos ciclistas e os veículos que circulam no pelotão.

"Ouvimos que tinha havido uma queda e quando lá chegámos vimos o Joni. Sempre que há uma colisão destas parece sempre má, mas felizmente os médicos chegaram rapidamente ao local", explicou ao site finlandês Keskisuomalainen o responsável finlandês Kjell Carlström, que estava no carro de apoio da selecção nórdica. A família já está com o ciclista, com Carlström a explicar que está em análise a possibilidade de transportar Kanerva para o seu país, mas também poderá ter de ficar na Noruega mais uns dias. Como curiosidade, Kjell Carlström é um antigo ciclista que esteve na Sky no final da sua carreira.

Como foi referido, Kanerva foi vítima de uma infeliz sequência de eventos. Um ciclista precisou de apoio e o carro da equipa teve de parar numa zona onde se circulava a grande velocidade. O condutor do veículo que vinha imediatamente atrás teve o reflexo de se desviar, não reparando que a seu lado estava Kanerva. O finlandês foi empurrado violentamente contra as barreiras, caindo de forma aparatosa. Ficou imobilizado no chão, mas relatos indicam que respondeu quando os médicos falaram com ele. Testemunhas salientaram que havia muito sangue na estrada.

A UCI tem implementado algumas regras na tentativa de reduzir este tipo de incidentes, principalmente desde que Antoine Demoitié morreu em 2016, na Gent-Wevelgem, depois de um acidente com uma moto. Foi reduzido o número de veículos permitidos na caravana e os condutores e motards podem ser expulsos ou suspensos caso sejam responsáveis por algum problema. No próximo ano, o pelotão será mais pequeno em mais um esforço de assegurar maior segurança para os ciclistas. Nas grandes voltas serão permitidos oito ciclistas por equipa em vez de nove e nas restantes corridas serão sete e não oito, como até agora.

Porém, haverá ainda muito a fazer e o caso de Kanerva é a prova. O condutor do carro deveria ter travado e não desviado? Teria tempo? São duas questões das muitas que a polícia está a tentar responder, porque apesar do acidente ter acontecido durante uma competição, em estrada fechada, as autoridades norueguesas estão a investigar.

A Joni Kanerva resta-lhe recuperar e espera-se que possa regressar à competição, nem que seja em 2018. É um momento marcante numa curta carreira e não era assim que o jovem finlandês queria ver o seu nome ligado a uns Mundiais.