20 de outubro de 2016

O lado ensombrado da Bahrain-Merida

Na próxima terça-feira (25 de Outubro) a Bahrain-Merida vai mostrar-se pela primeira vez como uma equipa. Durante quatro dias em Porec, na Croácia, ciclistas e restante staff vai reunir-se, começando assim o planeamento de 2017. Ainda à espera de saber se terá a licença World Tour, esta Bahrain-Merida tanto deu que falar por estar perto de se tornar a primeira equipa do Médio Oriente no principal escalão do ciclismo, como pelas as alegações de violação dos direitos humanos por parte do seu fundador, o xeque Nasser bin Hamad Al Khalifa.

Uma situação delicada perante uma modalidade que tende a abraçar quem apareça a acenar com um cheque e com um projecto minimamente estruturado. Algumas associações de defesa dos direitos humanos têm apelado à UCI para que não dê a licença World Tour à Bahrain-Merida, mas neste momento nada parece evitar que tal vá mesmo acontecer, nem por motivos desportivos e muito menos por motivos extra-desportivos.

O xeque Nasser bin Hamad Al Khalifa deu o mote no início do ano e rapidamente atraiu ciclistas e investidores. Quando em Fevereiro anunciou a intenção de formar uma equipa, pouco depois surgiram as notícias que Vincenzo Nibali seria o líder, numa altura em que a relação do italiano com a Astana estava a deteriorar-se (já desde 2015), enquanto já há algum tempo a relação com o xeque Nasser - também ele um desportista, principalmente ligado ao triatlo - era bastante boa, com os dois inclusivamente a chegarem a treinar juntos.

O objectivo da criação da equipa tiem muito de nobre: contribuir para a evolução do desporto naquele país, sendo o ciclismo cada vez mais uma aposta forte no Médio Oriente, como se comprova a realização dos Mundiais no Qatar este ano. O problema são as informações que foram sendo tornadas públicas e que fazem tremer a reputação do xeque Nasser. Um relatório de um grupo de defesa dos direitos humanos no Bahrein denúncia alegados actos de violência, nomeadamente através de torturas, durante uma revolta contra o regime no país em 2011. Devido ao referido documento (pode ser visto aqui) vários polícias foram condenados, acusados de torturar até à morte vários presos. No entanto, a família do xeque nunca teve de enfrentar qualquer investigação formal, segundo o Velonews.

Mas estas alegações parecem não atemorizar quem tem poder de decisão no ciclismo. Nem ciclistas. O dinheiro fala mesmo mais alto e estaremos a falar entre 15 a 18 milhões a ser investidos em 2017 na equipa. E nada está a impedir de seduzir ciclistas, pois até Joaquim Rodríguez (37 anos) adiou a "reforma" por mais um ano, para competir pela Bahrain-Merida. O espanhol diz que aceitou o convite porque lhe disseram que poderia fazer o que mais gosta: "desfrutar do ciclismo"... mas não engana ninguém.

Nomes de peso e outros com pontos

Vincenzo Nibali é a estrela, ainda que agora vá dividir um pouco o protagonismo com Rodríguez, mas certamente que não haverá qualquer incompatibilidade. O espanhol é a prova que o dinheiro tem muita força, pois com 18 equipas à procura de 17 licenças World Tour (a não ser que a UCI mude o regulamento), a Bahrain-Merida adoptou o sistema de contratar alguns ciclistas que tiveram uma boa pontuação em 2016, para assim garantir a desejada licença. É o caso gritante de Enrico Gasparotto, que venceu a a Amstel Gold Race e esteve bem nas semana das Ardenas. Os responsáveis da equipa convenceram Ion Izagirre a quebrar contrato com a Movistar e à formação espanhola foram ainda buscar Giovanni Visconti. Depois aproveitaram o fim da Tinkoff e IAM e a incerteza na Lampre-Merida, antes de ser comprada por um grupo chinês (TJ Sport).

Yukiya Arashiro (Lampre-Merida), Manuele Boaro (from Tinkoff), Grega Bole (Nippo-Vini Fantini), Borut Bozic (Cofidis), Sonny Colbrelli (Bardiani-CSF), Chun Kai Feng (Lampre-Merida), Heinrich Haussler (IAM Cycling), Luka Pibernik (Lampre-Merida), Kanstantsin Siutsou (Dimension Data), Niccolo Bonifazio (Trek-Segafredo), Valerio Agnoli (Astana), Ramunas Navardauskas (Cannondale-Drapac) e Tsgabu Grmay (Lampre-Merida) são ciclistas já confirmados. Não há dúvida que o objectivo é garantir que Nibali tenha apoio, mas ainda assim, homens como Sonny Colbrelli também podem dar vitórias à equipa e a contratação de Bonifazio já é a pensar um pouco no futuro.

Como director desportivo foi contratado Brent Copeland, que estava na Lampre. A equipa italiana viu ainda a Merida fazer o acordo para fornecer as bicicletas com a nova formação do Médio Oriente. Claro que a nível financeiro ajuda, e muito, o apoio da companhia de petróleo do Bahrein. Copeland confirmou ao Cycling News este apoio, afirmando que outras empresas também estão a contribuir e que nos próximos meses serão revelados mais pormenores.

A contratação de Joaquim Rodríguez

A abordagem já tinha sido feito há algumas semanas, mas o próprio acabou por dizer no final do Il Lombardia, último monumento do ano, que era a sua derradeira prova no ciclismo, desmentindo as declarações do seu agente. O espanhol anunciou a despedida numa emotiva conferência de imprensa durante a Volta a França. Surpreendentemente já nem foi à Vuelta, optando por fazer a despedida nos Jogos Olímpicos, onde foi quinto classificado. Porém, a Katusha deu sinais que não estaria confortável com este abandono antes do final da temporada e obrigou Rodríguez a participar na Milano-Torino, Giro del Piemonte e Il Lombardia, prova que venceu em 2012 e 2013. Três corridas em quatro dias. Rodríguez não terminou nenhuma.

Um fim de relação de sete anos algo estranho, sendo que a Katusha sempre fez do espanhol um dos seus líderes indiscutíveis, apesar de nunca ter conseguido ganhar uma grande volta (mas foi presença assídua no pódio). Será difícil à formação russa - que para o ano será suíça - não ver a decisão de Rodríguez como uma traição.

O ciclista espanhol irá competir mais um ano, mas ficará no staff da Bahrain-Merida por mais dois. Falta agora saber que calendário irá Rodríguez fazer em 2017 de forma a "desfrutar" do ciclismo.

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