14 de abril de 2016

Travões de disco e as "facas gigantes" de Ventoso

O assunto não era pacífico, mas o período de experiência dos travões de disco decorria com relativa calma. As opiniões iam-se dividindo no pelotão. Uns completamente contra, outros a favor, outros iam dando o benefício da dúvida, sem se mostrarem convencidos. Porém, as imagens chocantes do ferimento na perna do ciclista espanhol da Movistar Francisco Ventoso fizeram estalar a polémica de tal forma que em poucos dias a UCI decidiu suspender o uso dos travões de disco.

Ventoso ficou com um ferimento grave e profundo numa perna, que diz ter sido provocado por um travão de disco, durante o Paris-Roubaix. A Lampre-Merida e a Direct Energie foram as duas equipas que utilizaram esse sistema na clássica francesa. Numa carta aberta publicada no seu Facebook, o espanhol - um dos ciclistas mais experiente do pelotão - explica que tentou evitar uma queda colectiva, tal como um ciclista à sua frente. "Não cheguei a cair, a minha perna tocou na parte de trás da bicicleta dele. Eu continuei a pedalar. Mas pouco depois, olhei para a minha perna: não doi, não há muito sangue, mas consigo ver claramente parte do periósteo, a membrana que tapa a tíbia."

(Fotografia: Facebook de Francisco Ventoso)
Ao aperceber-se do ferimento, Ventoso diz que deixou a bicicleta. "Levei as mãos à cara em choque e incredulidade. Comecei a sentir-me mal." Quando a ambulância chegou, Ventoso escreve que nela estava Nikolas Maes (da Etixx-QuickStep) também ele com um ferimento, no joelho, causado por um travão de disco. O ciclista questiona, tendo em conta que no Paris-Roubaix estavam 32 travões de disco: "O que irá acontecer quando 396 discos estiverem na corrida, na qual 198 ciclistas lutam ferozmente por uma posição?"

Ventoso vai mesmo mais longe, comparando os travões de disco a "facas gigantes". Escreve que até teve sorte: "Não fiquei sem perna, é só algum músculo e pele. Mas podem imaginar o disco a cortar a [veia] jugular ou a veia femoral? Eu prefiro não o fazer."

Evolução ou uma questão de marketing?

Desde que a UCI autorizou o início do período de experiência dos travões de disco no ciclismo de estrada que ficou sempre a dúvida se realmente se estaria a tratar de uma natural evolução na modalidade ou um golpe de marketing, pressionado pelas grandes marcas. A eficiência da travagem de um travão de disco é diferente dos travões até agora utilizados no ciclismo de estrada. Defendia-se que essa maior eficiência poderia evitar toques que levassem a quedas, por exemplo. Por outro lado, defendia-se que em caso de quedas colectivas, o risco de ferimentos graves aumentava dado ao material cortante que constitui um travão de disco.

Depois, ainda se questionava se o próprio período de experiência não seria por si só perigoso, os diferentes travões poderiam causar problemas, principalmente para quem não utilizasse os de disco. Uns teriam um tempo de resposta de travagem muito diferente de outros.

Indiferente às críticas, a UCI manteve a experiência, começando a parecer que seria inevitável que os travões de discos acabassem por chegar definitivamente ao ciclismo de estrada - provavelmente em 2017 -, sendo já os utilizados no ciclocross. E Ventoso refere precisamente essa utilização, mas realça as diferenças entre as modalidades, dizendo imperativamente que os travões de disco nunca deveriam ter chegado ao pelotão.

As imagens e a poderosa carta aberta do espanhol acabaram por provocar uma mudança de opinião da UCI. Esta quarta-feira, poucas horas depois da associação de ciclistas profissionais ter pedido à UCI para suspender a utilização dos travões de disco, o organismo reagiu. Harald Tiedemann Hansen, presidente da comissão de equipamento da UCI confirmou, segundo o Cycling News, que o período de experiência estava suspenso e que a decisão partiu da iniciativa do próprio organismo, após o acidente de Ventoso.

Projecto suspenso, mas não terminado

A suspensão é a reacção lógica e praticamente inevitável ao que aconteceu, até para evitar que a polémica crie mais uma guerra com os ciclistas. A única ideia comum, inclusivamente partilhada por Ventoso, é que ninguém está contra a evolução do ciclismo. Porém, a forma como actualmente são constituídos os travões de disco precisa de ser repensada se a ideia de os implementar for a avante.

O director desportivo da Lampre-Merida, Brent Copeland, não está absolutamente convencido que o ferimento de Ventoso tenha sido provocado por uma travão de disco. No entanto, admitiu que "se for o caso", então "é necessário criar uma protecção". Salientou ainda que "a UCI tem de tomar uma decisão quanto à modificação dos discos". "Seria melhor para os ciclistas", referiu.

A suspensão adia para já a decisão final, que deveria acontecer este ano. A discussão, essa, está longe de estar terminada.

Leia a carta aberta de Francisco Ventoso.

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