30 de abril de 2016

A semana 'horribilis' do ciclismo britânico

Jess Varnish acusou director técnico de sexismo
É caso para dizer que quando uma semana começa mal... é porque vai correr mal. No ciclismo britânico foi mesmo isso que aconteceu. Numa semana houve acusações de discriminação sexual que provocou uma baixa, um caso de doping de um dos mais promissores ciclistas, tweets polémicos e ainda alegações que equipamentos estão a ser vendidos na internet. Semana de muito trabalhado para os responsáveis britânicos.

A semana horribilis começou precisamente há oito dias quando Jess Varnish acusou o director técnico do ciclismo britânico (BC, na sigla inglesa de Bristish Cycling), Shane Sutton, de sexismo. Numa entrevista ao Daily Mail, a ciclista contou que Sutton disse-lhe que estava velha, que "devia ir ter um bebé" e que ela tinha um rabo grande. A polémica surgiu imediatamente. De referir que entrevista surge dias depois de Varnish ter sido retirada da equipa olímpica, dispensa justificada pelo declínio das suas performances.

A BC reage salientando que nunca Jess Varnish tinha levantado estas questões, mas mostrou-se disponível para falar com a ciclista de forma a apurar o que aconteceu, afirmando que leva alegações do género muito a sério.

Na terça-feira, mais duas ciclistas falam publicamente sobre a discriminação que dizem existir na federação britânica. Nicole Cooke e Victoria Pendleton são duas vozes importantes, sendo ambas campeãs olímpicas. Cooke afirmou que enquanto alguns homens recebiam equipamentos novos, as mulheres que competiam na elite tinham de continuar com os velhos. Já Pendleton admitiu que evitava falar em encontros e estágios, pois sentia que a sua opinião não era tão respeitada como a dos atletas masculinos, mesmo tendo ela um currículo com os títulos mais importantes.

Em ano de Jogos Olímpicos, a BC responde rapidamente, garantindo que "uma medalha de ouro é valorizada, não interessando quem a ganha". "Orgulhamo-nos igualmente de todos os nossos campeões olímpicos e do mundo."

E como não se não bastassem as acusações de Jess Varnish, Shane Sutton via-se agora com outro problema. Darren Kenny, ciclista paralímpico, acusa o director técnico de ofender paraciclistas. Desta vez foi de mais para a BC. Sutton é suspenso.

No dia seguinte, numa entrevista ao The Times, Sutton nega ter alguma vez dito o que Varnish e Kenny o acusam. Mas nessa mesma quarta-feira anuncia a sua demissão: "Os desenvolvimentos nos últimos dias tornaram-se uma distracção. Por isso, falei com amigos e família e acredito que é no melhor interesse do ciclismo britânico eu abandonar o meu cargo de director técnico."

Problema resolvido? Longe disso.

Um dia depois é a vez de Emma Pooley falar, desta feita ao The Guardian. A ciclista afirmou que o problema não se limitava a Shane Sutton. Pooley aponta o dedo a Dave Brailsford, questionando porque foi apoiada a criação de uma equipa masculina para vencer a Volta a França, mas nunca foi feito o mesmo para uma equipa feminina. Na altura da formação da Sky, Brailsford trabalhava na BC.

A resposta surgiu no Twitter por parte de Peter Kennaugh, actual campeão de estrada britânico e ciclista da Sky. "Emma Pooley porque é que a Sky haveria de colocar dinheiro no Giro que ninguém conhece no Reino Unido". (O Giro tem a mesma importância para as mulheres que a Volta a França tem no ciclismo masculino.) Kennaugh escreveu para Pooley deixar de ser tão egocêntrica.

Kennaugh também tinha apoiado publicamente Sutton, mas os tweets dirigidos a Pooley acabaram por ser apagados. Aliás, a sua própria conta na rede social chegou a estar suspensa. Quando "regressou", Kennaugh escreveu que tinha parecido ser um idiota (ver tweet em baixo).


Mas os problemas nesta quinta-feira ainda estavam a começar. O Daily Mail publicou uma notícia que dava conta que equipamentos, incluindo bicicletas que valem mais de 12 mil euros, estavam a ser vendidos na internet. Avançou ainda que a federação já tinha recebido um pedido para investigar as alegações.

A BC reage, negando que tal alguma vez tenha acontecido, garantindo que nos últimos dez anos têm sido feitos inventários rigorosos. Admitiu que alguns equipamentos antigos foram vendidos em encontros de ciclismo e que não pode controlar o que lhes acontece depois de estarem em mãos de particulares.

Tempo para respirar fundo... É que ao início da noite surgiu mais uma bomba: um ciclista britânico tinha falhado um teste antidoping. O Daily Mail volta a ser a fonte da notícia que não deixaria a BC descansar. Inicialmente não foi divulgado um nome, mas não demorou muito até que o dedo fosse apontado a Simon Yates. O ciclista de 23 anos acusou terbutalina durante o Paris-Nice.

O que ameaçava tornar-se em mais um escândalo - ainda mais tendo em conta que Yates é visto como uma das grandes promessas do ciclismo britânico e tem como um dos objectivos do ano estar nos Jogos Olímpicos - provavelmente não o será porque a Orica GreenEDGE saiu imediatamente em defesa do seu atleta.

Na sexta-feira, a equipa australiana admitiu o caso, explicando que tudo não passa de um erro administrativo. Ou seja, o médico terá dado um medicamente para a asma a Yates que contém a substância proibida, não tendo alertado os responsáveis pelos controlos antidoping da situação.

E para acabar a semana, o dono da Orica, Gerry Ryan acusou de alguém na BC ter falado com um amigo seu australiano sobre um ciclista que tinha acusado positivo. "Estou desiludido porque o Simon não teve a oportunidade de apresentar o seu caso. Estou desiludido que a BC tenha dito que o Simon testou positivo antes do caso ser ouvido e não houve uma contra-análise", afirmou ao site Cycling Tips.

Que semana... Pelo menos este sábado houve alguma normalidade para o ciclismo britânico: Chris Froome ganhou a etapa rainha na Volta à Romandia, mostrando que está a melhorar a sua forma rumo à Volta a França. E para talvez começar uma semana melhor, os elogios à Volta a Yorkshire para as mulheres são o mais importante - tendo em conta tudo o que aconteceu -, não esquecendo que por um dia de corrida a vencedora (Kirsten Wild, da Hitec Products) amealhou 20 mil euros. Já os homens, caso o mesmo ciclista ganhasse as três etapas e a classificação geral, "só" levaria 14 mil. No primeiro ano do World Tour feminino, este foi um grande passo para as mulheres no ciclismo.

29 de abril de 2016

Degenkolb com regresso marcado. Pode a Giant suspirar de alívio?

(Fotografia: Twitter @GiantAlpecin)
Aos poucos a Giant-Alpecin tenta regressar ao normal. John Degenkolb vai finalmente estrear-se este ano, depois de em Janeiro ter sido atropelado, juntamente com cinco colegas de equipa, por um carro que se deslocava em contra-mão. A Giant não soma qualquer vitória este ano, pelo que regresso da sua principal estrela é quase um suspirar de alívio.

Quase porque o próprio Degenkolb vai tentando afastar uma possível pressão para começar rapidamente a ganhar. "Não estou aqui certamente com o objectivo de ganhar. O que pretendo é recuperar a sensação de pedalar novamente no pelotão", afirmou o alemão. No entanto, a escolha da corrida não foi por acaso. Degenkolb vai pedalar em casa, na Rund um den Finanzplatz Eschborn-Frankfurt (no domingo), competição que venceu em 2011. "É a minha corrida, em casa, o que torna [este momento] ainda mais especial para mim. Estou muito agradecido a todas as pessoas que me apoiaram e que tornaram possível eu voltar a competir."

O estágio no sul de Espanha, no início do ano, tornou-se num pesadelo para a Giant. Além de Degenkolb, Warren Barguil, Chad Haga, Fredrik Ludvigsson, Ramon Sinkeldam e Max Walscheid foram atropelados. Chad Haga foi inicialmente o caso que mais assustou. Mas o norte-americano conseguiu volta a competir dois meses depois. Já Degenkolb quase perdeu um dedo e o problema na mão revelou ser mais incapacitante do que o esperado. Ainda foi alimentada a esperança que o alemão conseguiria recuperar a tempo das clássicas. Quando foi confirmado que na melhor das hipóteses Degenkolb regressaria em Maio, a Giant viu parte da sua temporada eclipsar-se.

Em 2015, Degenkolb venceu a Milano-San Remo e o Paris-Roubaix. Dois monumentos. As vitórias do alemão ajudaram a esquecer que a grande estrela Marcel Kittel teve um ano para esquecer, devido a doença. Este ano, Kittel deixou a equipa e rumou à Ettix-QuickStep. A importância de Degenkolb aumentou substancialmente. Perder o ciclista por um acidente tão evitável foi um duro golpe na Giant.

Por mais que Degenkolb tente afastar alguma pressão, a verdade é que a falta de resultados da equipa faz com que a Giant desespere por uma vitória do seu sprinter, numa altura que as principais clássicas já ficaram para trás. É a única equipa do World Tour sem triunfos. Tom Dumoulin e Warren Barguil não conseguiram nenhum triunfo para pelo menos tirar a equipa do zero.

Ter Degenkolb de volta não significa que a Giant possa suspirar completamente de alívio, pois falta saber em que condições está o alemão. No entanto, o regresso do ciclista pode no imediato servir para motivar a equipa que assim começa a voltar ao normal. Normalidade essa que só chegará por completo quando alcançar uma vitória.

28 de abril de 2016

O renascer de Kris Boeckmans

Quando Kris Boeckmans cortou a meta em terceiro lugar, na quarta-feira na Volta à Turquia, quase que parecia inacreditável que há oito meses o belga tenha sofrido uma queda que fez temer o pior. Pode ainda não estar no seu melhor, mas Boeckmans tornou-se em mais um exemplo da incrível capacidade de recuperação de um ser humano.

Na oitava etapa da Volta a Espanha, Boeckmans não viu um buraco quando estava a beber e foi projectado da bicicleta. Sofreu uma concussão, três costelas partidas, um pneumotórax, nariz partido e o queixo ficou de tal forma que foi necessário ser operado, uma cirurgia que demorou oito horas. A gravidade dos ferimentos fez com que estivesse em coma induzido durante mais de uma semana. Correu risco de vida.

O director desportivo da Lotto Soudal, Mario Aerts, recordou que durante algum tempo não sabia se o seu ciclista sobreviveria, quanto mais se alguma vez voltaria a ser o mesmo atleta e, principalmente o mesmo homem. Boeckmans deu a resposta nos meses que se seguiram e regressou à competição antes do previsto. "O Kris tem muito carácter, resiliência e coragem. Ele possui muita força para regressar como ser humano e como ciclista e quer regressar ao mais alto nível no desporto", salientou Aerts ao site Velonews.

Aos 29 anos, Boeckmans tenta agora recuperar o tempo perdido. Em 2015 estava a realizar a sua melhor temporada de sempre: seis vitórias em etapas ou corridas de um dia, mais dois triunfos em classificações gerais. Oito vitórias das 11 que contabiliza como profissional. Regressou na clássica de Handzame, desistiu na primeira etapa da Volta à Catalunha, esteve na corrida de Scheldeprijs, mas foi na Volta a Turquia que o belga regressou aos bons resultados. Todo o sacrifício de uma penosa e longa recuperação começam a valer a pena.

"Passaram-se quase nove meses e eu sinto-me como se tivesse renascido. Demorei o tempo necessário para recuperar. Nunca forcei nada, mas também nunca tirei um dia de folga, nem um", contou ao Velonews.

A terceira etapa da Volta à Turquia foi atípica, é certo. O vento provocou um corte no pelotão e a equipa da Lotto Soudal acabou com seis ciclistas no top dez. Mas a importância o terceiro lugar de Boeckmans é melhor compreendido quando André Greipel admite que teria cedido a sua vitória para que o colega fosse o vencedor. "O Kris Boeckmans merecia-a, sem dúvida, pois é impressionante que ele tenha feito parte do grupo da frente. Teria sido muito emocionante se tivesse ganho", referiu o sprinter alemão, que acrescentou que a equipa manteve-se fiel ao plano, que tinha Greipel como a primeira aposta.

Ainda não se fazem prognósticos do que Boeckmans poderá vir a ser no ciclismo. O próprio admite que terminada a Volta à Turquia vai voltar ao trabalho com o treinador e o fisioterapeuta (não tem, para já, mais nenhuma corrida agendada). Motivação não parece faltar e o belga parece já ter alcançado a grande vitória que desejava: "Estou a desfrutar tanto do ciclismo como o fazia antes da queda e penso que isso é um feito tendo em conta o que passei."

E Boeckmans salientou ainda: "Para mim a melhor parte desta viagem é estar aqui a pedalar com os melhores companheiros de equipa do mundo. É de loucos que eu esteja aqui."

26 de abril de 2016

Michael Rogers, o ciclista leal

"Todos os grandes sonhos chegam, eventualmente, ao fim e hoje é o momento de concluir o meu."

Michael Rogers anunciou o fim da carreira. Aos 36 anos o problema congénito no coração, diagnosticado em 2001, obrigou o australiano a colocar um ponto final.

O primeiro alarme que algo estava mal aconteceu logo no início do ano quando Rogers não participou no Tour Down Under. Foi para a Volta ao Dubai, mas só fez duas etapas. Agora chegou a confirmação: "Apesar de estar desapontado por não ir à minha 13ª Volta a França e de não ter a oportunidade de competir nos meus quintos Jogos Olímpicos, não estou preparado para colocar a minha saúde em risco."

Foi através de uma carta publicada no Twitter que Rogers anunciou a inevitável decisão. Um rude golpe para a Tinkoff, pois o australiano seria certamente um dos homens importantes para estar ao lado de Alberto Contador. "É seguro dizer que o Michael tem sido uma parte crucial da ambição da equipa nas etapas e nas grandes voltas. A calma do Michael e o seu espírito gentil faz dele um colega ideal e o homem a quem os jovens se dirigem na equipa", escreve a equipa no site oficial.


Michael Rogers começou como profissional na então denominada Mapei-QuickStep, liderada por Patrick Lefevere. Em 2001 ficou na equipa, depois de ter estagiado nos últimos meses de 2000. Em 2002 conquistou o primeiro grande triunfo: o Tour Down Under. Foi campeão do mundo de contra-relógio entre 2003 e 2005. A primeira vitória foi-lhe atribuída após a desqualificação de David Millar e por razões idênticas ficou com a medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004. Desta feita foi Tyler Hamilton a ficar sem o ouro devido a um controlo positivo de doping.

Além das capacidades de contra-relogista, Michael Rogers também sempre mostrou que as corridas de uma semana lhe assentavam muito bem, conquistando, por exemplo, a Volta à Califórnia e a Volta à Andaluzia, ambas em 2010.

Soube sempre aproveitar as oportunidades para produzir resultados para si, mas também mostrou ser um homem leal quando tinha de acompanhar um líder. Assim foi quando esteve na Sky, tendo ajudado Bradley Wiggins a conquistar o Tour em 2012 e depois trabalhou para Alberto Contador na conquista do Giro no ano passado.

Rogers viveu um momento negro na carreira quando a equipa T-Mobile foi acusada de ter recorrido ao doping durante a Volta a França de 2006. O australiano sempre negou qualquer envolvimento nessas práticas e conseguiu prosseguir a sua carreira. Em 2013 deu positivo num controlo durante uma corrida no Japão, mas escapou a uma sanção alegando que o resultado era devido a carne contaminada da China.

Mais uma vez o australiano reage e em 2014 acabou por ter um dos seus melhores anos a nível de vitórias em provas importantes: duas etapas no Giro e uma no Tour.

A retirada de Michael Rogers surge menos de um ano depois de Ivan Basso também ter abandonado devido a problemas de saúde. O italiano da Tinkoff saiu da Volta a França depois de lhe ser diagnosticado um cancro testicular. Em Outubro anunciou que não voltaria a competir, apesar de ter vencido a doença. Dois homens experientes com quem a equipa russa muito contava.

No momento do adeus, Rogers deixou o desejo que a Tinkoff continue, considerando que Oleg Tinkov "não é o estereótipo do ciclismo", sendo "um apoiante único" da modalidade. "Espero que reconsidere a sua decisão de abandonar o ciclismo no final do ano", escreveu.

Para a história ficam os números e o perfil de um ciclista que as equipas por onde passou sabiam que podiam contar. Somou 15 vitórias como profissional e participou em 15 grandes voltas, sendo um dos mais experientes no Tour (12). Competiu no Giro em três ocasiões, prova em que alcançou a sua melhor classificação ao ficar em sexto em 2009. No Tour foi nono três anos antes.

25 de abril de 2016

Rafael Reis convence cada vez mais

(Fotografia: Facebook W52 - FC Porto - Porto Canal)
Rafael Reis pertence a uma geração que tem mostrado grande valor. As suas qualidades de contra-relogista são inegáveis e ficaram comprovadas com o quarto lugar nos Mundiais de Ponferrada, em 2014, na categoria de sub-23. O jovem ciclista de 23 anos aceitou o convite para competir pela W52-FC Porto, deixando o Tavira, e tem mostrado porque razão o director desportivo Nuno Ribeiro apostou nele.

Na Volta à Bairrada, Rafael Reis não deu hipótese no contra-relógio e conseguiu ganhar não só a etapa como a competição. Deixou o experiente Alejandro Marque (La Alumínios-Antarte) a 16 segundos e Ivo Oliveira (Liberty Seguros/Carglass) - jovem talento da pista que vai somando bons resultados na estrada, tal como Rui Oliveira, que foi quarto na geral. Os três subiram ao pódio.

O ano está a ser muito positivo para Rafael Reis, pois estas duas vitórias seguiram-se ao triunfo na Clássica da Amarante. Mas há ainda que destacar o excelente sétimo lugar na Volta a Castela e Leão, a 1:43 minutos de... Alejandro Valverde (Movistar), uma prova que teve Joni Brandão (Efapel) no pódio.

Há muito curiosidade para ver como este ciclista evolui. Ao contrário de outros da sua geração, como Ruben Guerreiro (Axeon Hagens Berman) ou Nuno Bico (Klein Constantia), Rafael Reis vai ficando por Portugal (já teve esteve no estrangeiro, mas voltou). Mas se continuar a confirmar o seu talento - foi bi-campeão nacional de contra-relógio em sub-23 e terminou em nono no Paris-Roubaix de juniores (2010) - poderá ser mais um dos portugueses que certamente chamará a atenção de equipas estrangeiras.

24 de abril de 2016

Primeiro monumento para a Sky... e a vitória ali tão perto para Rui Costa

(Fotografia: Twitter: @lampre_merida)
Um objectivo definido na Sky é um objectivo que tem de ser cumprido. Quando chegou ao ciclismo, disse que vinha para ganhar a Volta a França. E assim foi, primeiro com Bradley Wiggins e depois mais duas vezes com Chris Froome. Nos últimos dois anos a equipa britânica tem apostado na contratação de especialistas em corridas de um dia. Objectivo: um monumento. Custou, mas aí está ele: Liège - Bastogne - Liège.

No entanto, não foi nenhuma das apostas principais a cumprir esse objectivo. Michal Kwiatkowski, Ian Stannard, Luke Rowe, Ben Swift, Salvatore Puccio e Geraint Thomas estão numa primeira linha de opções, dependendo da clássica. Hoje era para Kwiatkowski, mesmo com Chris Froome na equipa, mas foi Wout Poels quem esteve melhor fisicamente e, principalmente, a nível táctico. O holandês podia não ser a aposta principal, mas era um plano B que dava garantias à equipa. E comprovou isso mesmo.

A nova subida em pavé a três quilómetros do fim, antes da dificuldade final, acabou por ser mesmo decisiva. Aqueles 600 metros com 10,5% de inclinação média serviram para que Michael Albasini e Rui Costa se distanciassem, mas Poels conseguiu juntar-se ao duo, trazendo com ele Samuel Sánchez (BMC), que esteve mais uma vez muito bem numa clássica das Ardenas este ano.

O quarteto apostou no momento certo, pois o grande favorito Valverde e a sua Movistar - que tanto trabalhou durante grande parte da corrida - não conseguiram fechar o espaço. O mesmo aconteceu com a Etixx-QuickStep, que mesmo com Daniel Martin e Julian Alaphilippe, ficou para trás.

No final, tudo ficou resumido a quem estava melhor fisicamente depois de 250 quilómetros muito exigentes, feitos debaixo de neve e chuva (foram cortados três quilómetros logo no início precisamente por causa do mau tempo). Na última curva, Poels arrancou, Albasini acompanhou. Rui Costa não conseguiu seguir na roda do suíço da Orica-GreenEDGE. Samuel Sánchez desistiu do sprint.


"Não acredito que ganhei, por isso, estou mesmo feliz. O tempo... até nevou. Foi um dia muito difícil. Eu não me sentia super, mas estávamos todos mesmos cansados", salientou Poels. A cumprir o segundo ano na Sky, Poels (28 anos) conquista a maior vitória da sua carreira, num 2016 que já conta com uma vitória na geral da Volta à Comunidade Valenciana.

Rui Costa com um pódio mais do que merecido

Quando o ciclista português segue com Michael Albasini na nova subida em pavé que tanto se falou antes da prova, faltavam cerca de três quilómetros. Rapidamente se percebeu que era um ataque que tinha tudo para resultar. Mais uma vez Rui Costa mostrava porque é dos melhores ciclistas a nível táctico. 

Numa corrida tão difícil que ganhou contornos épicos dado o mau tempo - vento, chuva, neve e de vez em quando um bocadinho de sol, houve de tudo - Rui Costa andou sempre bem colocado, mesmo que, mais uma vez, a Lampre pouco fez para ajudar o seu líder. De vez em quando parecia que Rui Costa estava a descair no grupo, mas não demorava muito a reaparecer na frente, afinal era uma luta de titãs com todos a quererem a melhor colocação. Mas o campeão do mundo de 2013 estava no sítio certo no momento certo e soube avaliar que o ataque de Albasini podia ser a machada necessária para deixar para trás a Movistar, principalmente Valverde, e a Etixx.

É notório o quanto Rui Costa gosta desta Liège - Bastogne - Liège e depois do quarto lugar no ano passado, eis um merecido pódio - por momentos a vitória parecia estar ali tão perto -, o primeiro para um português neste monumento. O segundo para Rui Costa, depois do também terceiro lugar na Volta à Lombardia em 2014.
"[Na subida de] Saint-Nicolas eu percebi que a corrida estava a ficar mais dura e eu estava com boas pernas e podia estar bem colocado nas últimas subidas. Vi que o Albasini estava também forte. Mantive-me na roda dele. Quando vi os outros a ficar para trás, puxei mais", explicou Rui Costa, citado pelo site da organização da Liège - Bastogne - Liège. 

O ciclista da Lampre considera que Wout Poels "mereceu ganhar". "Foi um dia difícil com a chuva, neve e o frio. A clássica mais difícil que fiz. É a minha favorita, por isso, estou feliz por estar no pódio. Com o dia difícil que estávamos a ter, só os melhores chegariam ao fim", referiu. 

Sobre o mau tempo confessou: "Quando chove ou está frio, o meu corpo costuma suportar bem, mas isso não significa que eu goste destas condições. A Liège é uma das corridas mais difíceis e eu sabia que poderia fazer um bom resultado. A meteorologia complicou tudo durante todo o dia, ao que se juntou o facto da penúltima subida em empedrado também ter influenciado o final."

Quanto aos outros ciclistas portugueses, José Mendes (Bora-Aragon) cortou a meta em 86º, a 5:27 minutos do vencedor. Tiago Machado (Katusha) e Mário Costa (Lampre-Merida) não terminaram a corrida.




Confira os resultados da Liège - Bastogne - Liège.

23 de abril de 2016

LBL: Uma aposta em Rui Costa

Alejandro Valverde é o grande favorito para a Liège - Bastogne - Liège (LBL) e depois da exibição na Flèche Wallonne, não se poderia esperar outra coisa. Mas no monumento que fecha a semana das Ardenas não faltará concorrência ao espanhol da Movistar e a meteorologia poderá ajudar a confundir ainda mais as contas. E esta é um corrida para Rui Costa, não surpreendendo que apareça como um dos outsiders. Perante a forma que apresentou na Amstel Gold Race (17º) e na Flèche Wallonne (10º), há que apostar no ciclista português para estar na luta pela vitória. Foi quarto no ano passado e em 2016, Rui Costa quer mais.

Esta é uma corrida de constante sobe e desce e com as previsões de temperaturas baixas (deverão rondar os sete a oito graus de máxima, menos em alguns locais), chuva e até neve, o cenário ameaça tornar-se um pouco caótico. Valverde sabe disso e, por isso, expressou a sua preocupação quanto às previsões meteorológicas. Preocupa-o mais do que propriamente a nova subida que poderá tornar ainda mais imprevisível o final. É que a três quilómetros do fim, os ciclistas terão de subir 600 metros com 10,5% de inclinação... em pavé. Esta dificuldade em Naniot será a décima do dia e ainda faltará o obstáculo final.




"É uma pequena alteração no percurso, mas que pode mesmo modificar o final [da corrida]", afirmou Jean-Michel Monin, responsável pela percurso da LBL, citado pelo site oficial da prova.

Valverde sem pressão

Já não bastava estar em grande forma, depois de fazer história na Flèche Wallonne - tornou-se no primeiro ciclista a vencer a corrida quatro vezes - Valverde não está pressionado a ganhar. E para ajudar há ainda motivação extra para conseguir a terceira "dobradinha", a segunda consecutiva (vencer a Flèche Wallonne e a LBL no mesmo ano). A única pressão que tem será eventualmente colocada por ele próprio.

A dupla dinâmica da Etixx-QuickStep

Daniel Martin e Julian Alaphilippe apresentam-se como os maiores adversários de Valverde. Foram os únicos que conseguiram atacar o espanhol no Muro de Huy, mas nem com jogo de equipa conseguiram derrotar Valverde. Lição aprendida?

Martin venceu esta corrida em 2013 e uma queda no ano seguinte retirou-lhe de forma dramática a hipótese que repetir o triunfo. Alaphilippe foi segundo no ano passado, tal como tinha sido na Flèche Wallonne, tal como na quarta-feira... sempre atrás de Valverde. E ainda há um factor importante: à Etixx, que já muito ganhou este ano (22), ainda lhe falta uma vitória numa das principais clássicas.

A muita concorrência

Simon Gerrans (Orica) é um dos homens que Valverde mais teme (o próprio espanhol colocou o australiano entre os seus principais adversários). Vencedor em 2014, começou o ano com uma vitória na geral do Tour Down Under (mais duas etapas) e na Europa também já alcançou alguns top dez. Mas esta é uma corrida perfeita para as suas características.

Vincenzo Nibali esteve longe do seu melhor no Giro del Trentino, mas o italiano da Astana tem a capacidade para recuperar rápido de maus momentos. E acrescentar mais um monumento ao seu currículo, depois da vitória na Volta à Lombardia - não esquecendo que já venceu as três grandes voltas - antes do Giro, seria perfeito. Ainda mais numa altura que perdeu protagonismo na equipa para Fabio Aru.

Apesar de Christopher Froome aparecer com o dorsal número um da Sky, o líder será Michal Kwiatkowski. Porém, a equipa britânica tem apostado forte para tentar ganhar o seu primeiro monumento, pelo que não só se pode esperar qualquer coisa de Froome, como Wout Poels é um nome a ter muito em conta.

Sem Philippe Gilbert, a BMC aposta em Richie Porte, com Alessandro De Marchi e Samuel Sánchez como alternativas viáveis. Robert Gesink (Lotto-Jumbo) e Bauke Mollema (Trek-Segafredo) estarão na discussão, mas atenção a dois homens que gostam de atacar e sabem ganhar dessa forma: Roman Kreuziger (Tinkoff) e Stephen Cummings (Dimension Data).

Tony Gallopin (Louto Soudal), Warren Barguil (Giant), Tom-Jelte Slagter e Lawson Craddock (ambos da Cannondale), Enrico Gasparotto (Wanty) - vencedor da Amstel Gold Race - e Pieter Weening (Roompot) poderão constituir uma meia surpresa.

Falta ainda Joaquin Rodríguez. Talvez um favorito, talvez não. Depois de na Flèche Wallonne a Katusha ter trabalho para o seu líder e o espanhol ter falhado no Muro de Huy (depois de tentar atacar acabou em 28º), há uma incerteza quanto à forma como Rodríguez se irá apresentar. O português Tiago Machado voltará a estar ao lado de Purito.

E a aposta em Rui Costa

Numa corrida de eliminação a cada dificuldade que os ciclistas forem passando, uma das características que distingue Rui Costa poderá ser decisiva. A sua inteligência táctica, a forma como se coloca no pelotão poderão ter um papel muito importante no controlo aos mais que prováveis ataques, ainda mais se voltar a ficar sem apoio da equipa nos momentos decisivos E o próprio português poderá tentar fugir. Mesmo que tenha de ir ao sprint, já se sabe que Rui Costa não se intimida.

Esta é uma corrida que o português há muito ambiciona e que claramente preparou a pensar na vitória. E que bem ficaria um monumento ao lado do Campeonato do Mundo de 2013 e as três vitórias em etapas no Tour, não esquecendo os três triunfos na Volta à Suíça...

O irmão Mário Costa voltará a estar a seu lado. José Mendes (Bora-Aragon) fecha a participação de portugueses na LBL.


2016 Teaser (English) - Liège Bastogne Liège... por tourdefrance

Danilo Di Luca honesto por uma vez

(Fotografia: Twitter: @OfficialDi_Luca)
"Não tenho arrependimento. Menti. Fiz batota. Fiz o que tinha a fazer para acabar em primeiro." A frase faz parte do primeiro capítulo do livro de Danilo Di Luca. O antigo ciclista italiano reaparece três anos depois de ter sido apanhado nas malhas do doping pela terceira vez. Foi banido para toda a vida, mas Di Luca explica agora numas páginas porque recorreu constantemente a substâncias proibidas para melhorar a sua performance: "Se não me tivesse dopado, nunca teria ganho."

Danilo Di Luca teve tanto de ciclista entusiasmante, sempre pronto a lutar pela vitória, como de ciclista que representa a fase negra da modalidade (não está sozinho). Do pouco que já é conhecido do livro, o italiano justifica o doping como "sendo parte do trabalho" e algo necessário para se ter sucesso no ciclismo. "O doping não é viciante, mas é um instrumento: quem ganhar atrai dinheiro para ele, para a equipa e para os patrocinadores."

O italiano, agora com 40 anos, foi apanhado duas vezes, mas nem assim caiu completamente em desgraça. No seu currículo contava com uma volta a Itália e dois monumentos (Liège - Bastogne - Liège e Volta à Lombardia), o suficiente para ter recebido a oportunidade para regressar em 2013 ao serviço da Vini Fantini. No Giro d'Itália, Di Luca não demorou muito a mostrar-se, sendo um grande animador da prova... até dar novamente positivo num controlo anti-doping.

"Se és apanhado é porque mediste mal o tempo porque todos sabem quantas horas têm de passar para não se dar positivo", escreve o antigo ciclista no livro. No seu caso, o terceiro, foi a ignorância que lhe custou muito caro. Di Luca injectou uma micro dose de EPO antes de dormir e foi acordado às 7:30 para ser testado. Normalmente esses testes detectavam a substância se estivesse sido ingerida até seis ou oito horas antes. Mas a tecnologia tinha evoluído. A detecção já chegava às 24 horas. Fim da linha para Di Luca.

O italiano continua a ser recordado em Itália pelas melhores e piores razões. Como outros no passado resolve contar a sua história, no que se poderá confundir como uma espécie de redenção ou uma simples justificação que fez batota porque todos o faziam. O livro serve pelo menos para mostrar que, por uma vez, Di Luca está a ser honesto ao admitir que foi desonesto.

21 de abril de 2016

Um pouco de história para Valverde

(Fotografia: Twitter @Movistar_Team)
Ataque, contra-ataque e mais uns ataques, mas no fim ganha Alejandro Valverde. Há três anos que é assim na Flèche Wallonne, onde o espanhol fez história: somou a quarta vitória, a terceira consecutiva depois da primeira em 2006. Feito inédito nesta clássica das Ardenas. O espanhol supera ciclistas como Eddy Merckx (1967, 70 e 72), Moreno Argentin (1990, 91 e 94), Marcel Kint (1943, 44 e 45 - a corrida foi das poucas que se realizou durante a II Guerra Mundial) e, mais recentemente, Davide Rebellin (2004, 07 e 09).

"A verdade é que isto é inacreditável. Estar na história da Flèche Wallonne é uma grande honra. Eu sabia que me sentia bem, mas as circunstâncias na corrida podem mudar rapidamente, por isso, estou muito satisfeito", salientou Valverde que fez algum bluff antes da prova ao afirmar que não estava a 100%. Ora se aquilo que demonstrou não é a 100%, então os adversários que tenham mesmo muito cuidado para a corrida de domingo.

Mas esta é uma daquelas vitórias que obrigatoriamente tem de se falar da equipa. A Movistar sabia que teria de assumir a responsabilidade da corrida. A equipa trabalhou e ainda foi tacticamente perfeita ao colocar, por exemplo, Izaguirre na frente quando Bob Jungels tentou fugir. A Katusha, que ia de forma ténue ia ajudando, teve de trabalhar mais para garantir que Joaquin Rodríguez podia estar na luta. Onde estava Valverde? A controlar. Confiança total na equipa e nas suas capacidades.

Como era de esperar, não houve fuga que triunfasse e o Muro de Huy voltaria a ser decisivo. Rodríguez foi a vítima da subida. Atacou, mas claudicou. Terminou em 28º a 29 segundos do vencedor. Valverde controlou a subida toda. Não se assustou quando dois homens da Etixx-QuickStep o rodearam. Daniel Martin atacou primeiro, abrindo caminho a Julian Alaphilippe. Valverde esperou e atacou a menos de 100 metros. Ninguém conseguiu responder.

Não foi por isso descabido que no final lhe tenham dito que o Muro de Huy deveria ser o Muro de Valverde. Timing, inteligência táctica e boa forma, claro. Assim se passa Huy. Assim faz Valverde.

"Planeámos a táctica para o Julian ficar na roda do Alejandro e batê-lo na meta, enquanto eu tentaria atacar um pouco mais cedo. Mas o Alejandro conhece a subida e leu a nossa táctica na perfeição. É difícil batê-lo", desabafou Daniel Martin (terceiro classificado). A Etixx-QuickStep acaba por ser, outra vez, a grande derrotada do dia. E a época das clássicas continua sem vitórias para a equipa belga. Porém, tem uma garantia: Alaphilippe repete o segundo lugar de 2015, mostrando que esta é uma corrida perfeita para as suas características e atenção ao francês na Liège - Bastogne - Liège de domingo... se Valverde deixar alguém mais brilhar.


Rui Costa no top dez

O ciclista português alcançou o seu melhor resultado na Flèche Wallonne. Entrou no Muro de Huy com o grupo principal, muito bem colocado. Não conseguiu ir com Valverde e os homens da Etixx, mas Rui Costa conseguiu terminar na décima posição, a cinco segundos do vencedor. Que venha a corrida de Liège, pois o português da Lampre mostrou tanto na Amstel como esta quarta-feira, estar num bom momento.

Neste top dez, destaque para Enrico Gasparotto. Depois de vencer a Amstel Gold Race, o italiano da Wanty voltou a estar na luta por uma vitória na semana das Ardenas. Foi quinto. Wout Poels continua a fazer uma excelente temporada. Com a retirada da prova de Sergio Henao - foram levantadas questões sobre o seu passaporte biológico e a Sky decidiu não colocar o seu ciclista na corrida, a exemplo do que aconteceu em 2014 numa situação idêntica - o holandês acabou por ser um plano B que a equipa sabe que pode confiar. Ficou no quarto lugar.

Uma palavra ainda para Samuel Sánchez. Aos 38 anos, o campeão olímpico de 2008 tem tido um Abril muito positivo. Terminou em sexto na Volta a Catalunha, onde venceu uma etapa, e agora foi novamente sexto. Com Philippe Gilbert limitado devido ao dedo fracturado, o espanhol aproveitou a oportunidade de ter maior liberdade na BMC.

Quanto aos restantes portugueses, Mário Costa (Lampre) terminou em 118º a 6:58 minutos e Tiago Machado (Katusha), que muito trabalhou para Rodríguez foi 101º a 5:11.

A semana das Ardenas aproxima-se do fim. Domingo é a vez da Liège - Bastogne - Liège. E a questão é simplesmente: conseguirá Valverde repetir a "dobradinha" de 2015?

20 de abril de 2016

Flèche Wallonne: eis Valverde

(Foto: Twitter @alejanvalverde)
Concentrado na preparação para a Volta a Itália, o início de ano de Alejandro Valverde tem sido um pouco diferente. Vitorioso, mas mais discreto (conquistou a Ruta del Sol e a Volta a Castela e Leão, esta última corrida no domingo). Participar nas próximas duas clássica das Ardenas até pode nem ser o calendário preferido de um ciclista que esteja a pensar no Giro, mas Valverde não consegue resistir. Afinal ganhou a Flèche Wallonne e a Liège - Bastogne - Liège três vezes cada uma. No ano passado venceu as duas.

O ciclista da Movistar chega a estas clássicas como o preferido e nem o discurso que não está na forma necessária para as conquistar novamente lhe retira esse estatuto. É difícil não dizer: eis Valverde. Mesmo não estando a 100%, certamente que o espanhol irá lutar pela vitória.


Um dos seus principais adversários esta quarta-feira poderá ser Joaquim Rodríguez. O ciclista da Katusha não tem estado bem em 2016, mas aquele Muro de Huy é quase perfeito para as suas características e para repetir o triunfo de 2012.

Porém, esta poderá ser uma clássica para Etixx-QuickStep. O jovem Julian Alaphilippe lidera a equipa belga, mas os olhos estarão mais fixados em Daniel Martin. O irlandês parece ter finalmente encontrado a equipa perfeita. Já soma duas vitórias este ano, precisamente em etapas (Volta à Comunidade Valenciana e Volta à Catalunha) com chegadas após subidas não muito longas, mas duras.

Com Philppe Gilbert (BMC) a colocar-se fora dos candidatos devido ao dedo fracturado com que vai voltar a competir, há ainda assim outros candidatos a colocarem-se entre os favoritos. A Orica-GreenEDGE vai agora apostar em Michael Albasini, enquanto a Sky tem Sergio e Sebastián Henao, enquanto Wout Poels pode surpreender.

Diego Rosa (Astana), Samuel Sanchez (um possível plano B para BMC), Roman Kreuziger (Tinkoff) e Enrico Gasparotto (Wanty) são ciclistas a ter em conta. No caso do italiano, volta a entrar no radar do pelotão depois de ter batido a concorrência na Amstel Gold Race, no domingo.

E claro: Rui Costa. O português esteve bem na primeira corrida das Ardenas (17º) e o Muro de Huy não assusta o campeão do mundo de 2013, até porque, além da capacidade física, esta subida requer muita inteligência para atacar no momento certo. No entanto, há que recordar que é a Liège - Bastogne - Liège o principal objectivo desta semana para Rui Costa.

E dos portugueses é aquele que se poderá ver a lutar pela vitória. Mário Costa, também da Lampre, e Tiago Machado (Katusha) deverão trabalhar para os seus líderes.

Muro de Huy: força e táctica

O Muro de Huy é das subidas mais populares no ciclismo. 1,3 quilómetros, com 9,6% de inclinação média, que chega a ter 23% e máxima. Um muro! Esta subida revela quem são os melhores tacticamente, pois, muito simplesmente, quem ataca cedo mais, pode acabar bastante mal, quem espera demasiado, pode não ter tempo para recuperar tempo perdido para outro ciclista. O timing é tudo... ou quase.

19 de abril de 2016

Doping mecânico: dos rumores, à confirmação, à fase da suspeição

Imagem do programa francês que alegadamente
identifica a utilização de motores
O doping mecânico entrou este ano definitivamente no léxico do ciclismo. Em 2010 começaram os primeiros rumores depois de Fabian Cancellara fazer um impressionante arranque no Paris-Roubaix, que deixou Tom Boonen e todos os outros para trás. O suíço nunca se livrou das suspeitas, mas os rumores não passavam disso mesmo. O ciclismo tinha outras preocupações com o outro doping.

A UCI foi fazendo as inspecções às bicicletas. Picando o ponto. Rumor aqui, rumor ali, alguém a dizer que vendeu motores a profissionais, uma acusação de vez em quando - como quando Contador trocou durante uma etapa do Giro de bicicleta e falou-se que uma teria o tal motor - e em 2016 é descoberto o primeiro caso. 

Nos mundiais de ciclocross, a belga Femke Van den Driessche, de 19 anos, foi apanhada com um motor na sua bicicleta. Desmentiu, depois disse que era de um amigo e não a sua bicicleta... A partir daquele momento acabaram-se os rumores. Os motores tornaram-se uma realidade e um novo pesadelo para a UCI.

Os ciclistas começam a apelar a mais inspecções de bicicletas. A UCI aceita o repto. Bradley Wiggins deita achas para a fogueira ao dizer que acredita que os motores são há muito utilizados no pelotão internacional. Driessche arriscava seis meses de suspensão e entre 18 mil e 180 mil euros de multa. Ridículo? Parece ser o único consenso: o crime quase compensa. Pede-se uma sanção mais dura.

A UCI reage e ameaça com uma suspensão vitalícia. Driessche resolve terminar a carreira, evitando o "julgamento". Primeiro problema resolvido, podia-se dizer. Mas não. O problema apenas estava a começar. Com a prova que os motores são uma realidade no ciclismo profissional, a UCI aumenta então as inspecções. Os meios ainda são poucos e uma tecnologia maior e portátil - como recorrer aos raios-X por exemplo - é cara.

Enquanto se procuram formas para caçar infractores, Eddy Merckx, por exemplo, pede mão pesada para quem for apanhado e outros ex-ciclistas vão fazendo pressão sobre a UCI.

Há uns dias, um programa de televisão francês, Stade 2, e o jornal italiano Corriere della Sera, anunciam que através da utilização de um detector de calor foi possível verificar que foram utilizados motores em duas provas, uma delas a Strade Bianchi. Não foram adiantados nomes, apenas imagens dos alegados motores nas bicicletas. Acabaram-se os rumores, agora é mesmo a fase da suspeição.

O ciclismo tem tido uma capacidade fantástica de recuperar de escândalos que colocaram em causa a modalidade. Nos anos 90, o caso Festina foi um rude golpe. Quando parecia existir uma referência que tinha ajudado a recuperar o prestígio da modalidade, afinal Lance Armstrong era apenas o exemplo de tudo o que estava de mal. Muito mal. O doping tem dado duros golpes. O ciclismo lá vai recuperando.

Agora é o doping mecânico que exige medidas. Não é possível varrer para debaixo do tapete como tanto tempo se fez no passado com o doping sistemático no pelotão. A UCI está praticamente obrigada a agir e não apenas a reagir, pois não se pode esperar apenas que alguém se meta numa cruzada para descobrir a verdade como foi no caso Armstrong. Ainda mais porque numa altura em que se obteve a prova dos motores, também já surgiram notícias da utilização de rodas electromagnéticas.

Aqueles que procuram meios ilegais para obter maior rendimento irão sempre existir. Depende dos organismos responsáveis garantir que são apanhados e castigados de forma a que passe a mensagem que não compensa e principalmente que passe a mensagem que se pode apostar na modalidade, que essas pessoas são a excepção e não a regra. Afinal, do que será do ciclismo se os patrocinadores perderem a confiança? O que acontecerá se os adeptos não acreditarem nos ciclistas?...

18 de abril de 2016

Giro del Trentino: o primeiro frente-a-frente de Nibali e Landa

Com o período das clássicas a aproximar-se do fim, a primeira grande prova de três semanas do ano começa a concentrar as atenções. O Giro del Trentino, que começa esta terça-feira, como que marca o início da contagem decrescente até 6 de maio, dia do arranque da Volta a Itália. E este ano contará com o embate entre dois dos favoritos: Vicenzo Nibali (Astana) e Mikel Landa (Sky).

Nibali como que caiu em desgraça na Astana depois de uma Volta a França aquém do esperado e não ajudou ter sido expulso da Volta a Espanha por ter sido "arrastado" pelo carro para recuperar terreno para o pelotão. Por outro lado, Fabio Aru ganhou estatuto ao ser segundo na Volta a Itália e ao conquistar a Vuelta. Nibali viu-se assim relegado para número dois da equipa e prepara o Giro d'Italia com o objectivo de recuperar algum do respeito perdido na Astana e também no próprio pelotão após o incidente em Espanha.

O ciclista italiano, que já venceu as três grandes provas, começou a sua reacção às adversidades ainda em 2015, vencendo o seu primeiro monumento, o Giro da Lombardia. Este ano já conta com o triunfo na Volta a Omã e com o sexto lugar no Tirreno-Adriático e quer voltar a vencer a Volta a Itália, numa altura em que também já vai preparando a sua saída da Astana, talvez para um novo projecto que deverá nascer no Bahrain.

O seu principal rival será Mikel Landa. O espanhol foi o escudeiro de Fabio Aru em 2015 e protagonizou uma parceria que fez lembrar Wiggins e Froome em 2012, no Tour. O espanhol, tal como Froome, sempre respeitou a hierarquia, mas era praticamente certo que, em final de contrato, Landa iria procurar uma equipa onde pudesse ser líder. A Sky contratou-o.

O espanhol só participou em três competições este ano e desistiu numa delas (Grande Prémio Miguel Indurain), mas na Volta a Catalunha já se mostrou, vencendo uma etapa e vestindo a camisola da liderança durante algumas etapas.

Landa é visto como o provável sucessor de Alberto Contador e já mostrou que tem a qualidade para vencer uma grande volta, mas terá de melhorar no contra-relógio, uma questão que neste momento o deixa em desvantagem comparativamente com Nibali.

No Giro del Trentino só estarão três equipas World Tour, o que significa que faltam outros grandes nomes que têm presença confirmada na Volta a Itália (Rigoberto Uran, Alejandro Valverde, Tom Dumoulin...). Além da Sky e Astana, a francesa AG2R aproveita a corrida para preparar os seus líderes para a Volta a Itália e para a Volta a França. Romain Bardet está com os olhos postos no Tour e entra como um terceiro favorito em Trentino. A seu lado estará Jean-Cristophe Peraud, que no ano da despedida resolveu abdicar do Tour para apostar tudo no Giro. Aos 38 anos, o francês tenta uma grande vitória. Nas provas em que participou até agora em 2016, Peraud alcançou resultados modestos.

A AG2R leva ainda o pequeno mais sempre muito entusiasmante Domenico Pozzovivo. Nas subidas italianas, o ciclista raramente passa despercebido e dá à equipa três boas opções para alcançar bons resultados em Trentino. Pozzovivo também estará na Volta a Itália.

Quanto ao percurso, o Giro del Trentino começa com um contra-relógio de 12,1 quilómetros. Segue-se uma longa etapa de 220,3 quilómetros com média montanha (ver gráficos) entre Arco e Anras, com passagem pela Áustria.



Na terceira etapa começa a alta montanha: 204,5 quilómetros entre Sillian e Mezzolombardo. Com o arranque na Áustria, o regresso a Itália terá duas subidas de primeira categoria. Caso nenhum dos favoritos tenha tido problemas na etapa anterior, nesta ronda poderá começar a decidir-se o vencedor.




Na derradeira etapa, no sábado, os ciclistas tem pela frente menos quilómetros, mas mais dificuldades. Serão 160,9 entre Malè e Cles e terreno plano, nem vê-lo. Um sobe e desce constante que promete emoção até ao fim, com destaque para Forcella di Braz (primeira categoria) já perto do final da etapa.


17 de abril de 2016

Vitória da experiência e da emoção

(Fotografia: Twitter @UCI_cycling)
"Esta foi pelo Antoine." Foram as primeiras palavras de Enrico Gasparotto depois de vencer a Amstel Gold Race, de uma forma algo surpreendente. Aos 34 anos, o italiano venceu pela segunda vez a corrida holandesa, naquela que foi uma vitória muito emocional para Gasparotto e para a Wanty - Groupe Gobert.

A 27 de março a equipa do segundo escalão profissional ganhava um indesejado protagonismo. Antoine Demoitié foi atingido por uma moto e acabou por morrer. Três semanas depois, a Wanty alcançou a sua primeira vitória numa prova World Tour. Não surpreende que, por isso, a equipa viva sentimentos mistos.

O triunfo na Amstel Gold Race muito se deve à experiência de Gasparotto. O italiano confessou que repetiu alguns pormenores técnicos de quando venceu em 2008, então ao serviço da Astana, ao atacar na última subida ao Cauberg. A experiência permitiu-lhe ainda "convencer" o jovem Michael Valgren (Tinkoff) a ajudá-lo naquele ataque. "Tive sorte que o Valgren veio comigo. Não teria sido capaz sozinho porque estava um vento de frente muito forte", explicou Gasparotto.

Inicialmente Valgren foi na roda do italiano, mas acabou por "puxá-lo", permitindo a Gasparotto guardar forças para o sprint final. O grupo com alguns dos favoritos, que incluía Rui Costa, ficou apenas a quatro segundos, o que certamente deixou muitos deles frustrados.

Foi a nona vitória como profissional de Enrico Gasparotto, que conta no currículo com uma etapa no Giro e um campeonato de estrada italiano. A última vitória havia sido precisamente na Amstel.

Já Michal Kwiatkowski (vencedor em 2015) e Philippe Gilbert (que já triunfou por três vezes) não acabaram a corrida. Rui Costa foi 17º, o irmão Mário Costa terminou no 64º lugar e Tiago Machado no 85º, ambos a 4:32 minutos.

O momento insólito

Ainda a Amstel Gold Race não tinha começado e já se registava uma queda que acabou por ter consequências graves para Fabio Felline. O sprinter da Trek caiu sem se perceber muito bem porquê. "Tem um nariz partido e cortes na face. Os radiologistas também encontraram uma fractura na base do crânio. Ele precisa de mais exames para determinar se está estável ou instável e isso irá determinar qual o tratamento para a sua recuperação", explicou o médico da equipa Jens Hinder, citado pelo site da Trek-Segafredo.


E esta foi uma corrida mesmo insólita para a equipa: dois oito ciclistas só Bauke Mollema terminou (em 14º a quatro segundos do vencedor).