30 de março de 2016

Thibaut Pinot, o eleito?

Foto: Twitter @EquipeFDJ
Quando se vê Thibaut Pinot a ganhar um contra-relógio, mesmo um curto, é inevitável pensar: a sério? Mas é mesmo muito sério todo o trabalho que Pinot e a FDJ estão a fazer. A equipa francesa era mais conhecida por tentar minimizar perdas de tempo nos contra-relógios, fossem por equipas ou individualmente. 2016 é o ano da transformação. A primeira surpresa foi nos contra-relógios do Tirreno-Adriatico: terceira melhor equipa, individualmente a FDJ colocou dois homens no top dez e Thibaut Pinot conseguiu defender-se muito bem (19º a 2:27 do vencedor, Cancellara). O facto da etapa de montanha ter sido anulada devido ao mau tempo, não permitiu ver um Pinot no seu terreno, quando estava claramente motivado para tentar vencer.

No Critério Internacional ficou a confirmação que o que havia acontecido em Itália não era um acaso. E ameaça ser a regra. Pinot ganhou o contra-relógio e acabou por conquistar a competição. Certo que a concorrência não o testou em demasia. Jean-Christophe Peraud, vencedor em 2014 e 2015, falhou na última subida e Pinot mostrou que era claramente superior frente aos restantes ciclistas.

Ainda assim, as indicações destes primeiros meses (foi quarto na Volta ao Algarve, por exemplo) demonstram um Pinot dedicado a aperfeiçoar um dos seus pontos fracos e que o impediam de ser visto como um potencial candidato a uma vitória no Tour. No entanto, o ciclista da FDJ está decidido a mostrar que pode ser o eleito: o francês que vai finalmente voltar a conquistar a "sua" Volta. O último a fazê-lo foi Bernard Hinault em 1985.

No ano passado, Pinot (25 anos) demonstrou que estava a trabalhar num outro ponto fraco: as descidas. Mostrou que estava a melhorar, ainda que sem convencer. Porém, é claro que a FDJ está decidida a colocar Pinot na luta com Froome, Quintana, Contador e Aru. E Pinot não irá sozinho. A própria equipa está a ser preparada para apoiar o seu líder ao estilo de uma Sky ou Movistar.

A Volta ao País Basco, que começa segunda-feira, poderá demonstrar em que nível está esta FDJ, já que a concorrência será mais intensa e não se espera mais problemas de mau tempo como no Tirreno-Adriático. Quintana, Contador, Aru, Rodríguez e Mollema estarão presentes.

Por agora, é certo que Pinot está a apresentar uma candidatura a um top cinco no Tour e talvez espreitar o regresso ao pódio, onde esteve em 2014. É ainda cedo para considerar que Pinot um candidato à vitória, mas se continuar a evoluir - e a margem de progressão é ainda grande -, talvez os franceses possam voltar a sonhar em breve.

De recordar que o ciclista já conta com duas vitórias de etapa no Tour: no ano passado foi o primeiro no mítico Alpe d'Huez e em 2012, um jovem Pinot surpreendeu ao isolar-se na última subida e aguentar a liderança até Porrentruy. E este primeiro triunfo ficou ainda marcado pelo entusiasmo com que o seu director desportivo incentivou Pinot (ver vídeo quando faltam 5,8 quilómetros e depois os últimos dois quilómetros). Imagens que entraram para a história da Volta a França.



29 de março de 2016

A pergunta que se impõe... ou talvez não

Foto: Twitter @TeamWantyGobert
As tragédias são muitas vezes impulsionadoras de mudanças no desporto. A morte de Ayrton Senna deu origem a várias alterações nos monolugares de Fórmula 1 e não só, a morte de futebolistas em campo fez com que agora exista, em alguns países, desfibrilhadores nos estádios. No ciclismo, a morte de Andrei Kivilev no Paris-Nice, em 2003, fez com que os capacetes passassem a ser obrigatórios. Antoine Demoitié era um nome até este domingo, 27 de março, relativamente desconhecido. Agora vê-se envolvido numa polémica que tem marcado os últimos anos no ciclismo: ciclistas e os incidentes com motos e carros nas corridas.

Demoitié participava na Gent-Wevelgem quando caiu juntamente com vários ciclistas. O diretor desportivo da equipa do belga, a Wanty-Groupe Gobert, explicou numa conferência de imprensa os momentos que se seguiram, ao que o próprio referiu como sendo uma queda como tantas outras que acontecem nas corridas. Hilaire Van der Schueren disse que o condutor da moto da organização tentou travar, mas não conseguiu parar a tempo. A moto caiu sobre a cabeça e pescoço do ciclista. Demoitié recebeu ajuda médica imediata, apesar de Van der Schueren admitir que percebeu que a situação era grave e ficou ainda mais ciente que a situação de Demoitié era dramática quando a organização pediu os contactos da família. A morte do ciclista de belga, de 25 anos - e que tinha feito a sua primeira prova do World Tour no E3 Harelbeke na sexta-feira -, foi confirmada pouco depois da meia-noite (hora local, menos uma em Lisboa).


Inevitavelmente a pergunta que se impunha foi feita na conferência desta segunda-feira: "Há demasiadas motos no pelotão?" Ou seja, seria esta a tragédia que há muito se temia depois de tantos acidentes nos últimos meses, como o de Stig Broeckx já este ano? "Não queremos discutir isso e não é o momento certo para discutir isso. Foi um terrível acidente, mas foi um acidente. Não o culpamos [ao condutor da moto] e não nos compete a nós culpá-lo", respondeu o assessor da equipa José Been.

Acidente é a palavra chave. Naturalmente que os outros incidentes que aconteceram não passaram também de acidentes. Mas é necessário entender que se tem falado de conduções perigosas, acelerações em momentos errados, o forçar passagem e colocar a integridade física do ciclista em perigo. No caso de Demoitié, as testemunhas apontam que o condutor da moto não conseguiu travar.  Estaria a ir rápido de mais, demasiado próximo... as dúvidas são muitas e aguardam-se respostas que uma investigação certamente dará. E são certamente aguardadas por ciclistas, directores desportivos e todos com ligação a esta modalidade.

Para já, tanto a UCI como a Associação de Ciclistas Profissionais também estão a reagir com cautela, salientando a importância de manter a segurança dos ciclistas, mas também referindo a necessidade de investigar o que aconteceu.

A pergunta impunha-se, mas talvez esta tragédia não passe disso mesmo: de um trágico acidente. No entanto, não significa que não venha a contribuir para possíveis mudanças que há muito se exigem no pelotão internacional. Mas a resposta da equipa à questão dos motos/carros e incidentes com ciclistas foi a ideal para evitar alimentar polémicas à custa da memória de Demoitié. Mas mesmo sendo um acidente, será um que não deixará de ser sempre referido até que as mudanças sejam feitas. E ficará sempre a sensação que é preciso uma tragédia como uma morte para que as alterações apareçam (se aparecerem).

Porém, agora é o momento de luto e a equipa já confirmou que estará na Volta a Flandres com o objectivo de concretizar a melhor homenagem para Demoitié: uma vitória. #RideForAntoine

20 de março de 2016

A prova de Démare

Fotografia: Twitter @ArnaudDemare
A admiração de Arnaud Démare ao vencer a Milan-San Remo foi, provavelmente, partilhada por muitos. Não que as capacidades do francês não sejam bem conhecidas, mas depois de um 2015 muito fraco, a vitória numa etapa do Paris-Nice colocavam-no, quanto muito, como um outsider no primeiro monumento do ano. Mas aquela queda a 30 quilómetros do fim parecia ter arrumado as hipóteses de Démare. No entanto, o ciclista de 24 anos parece estar a renascer em 2016, acompanhando a equipa da FDJ que está a aparecer em grande nível este ano. Démare venceu com um sprint avassalador, mas demorou mais de um ano para comprovar que a equipa não tem nada a arrepender-se por o ter escolhido em detrimento de Nacer Bouhanni no final de 2014.


Quando venceu a etapa do Paris-Nice, a sinceridade de Démare não podia ser mais perfeita. O francês confessou o quanto era bom saber que ainda podia conquistar vitórias em grandes provas. É preciso não esquecer em 2014 Démare (24 anos) e Bouhanni (25) dividiam as atenções dos sprints na FDJ, ambos com resultados muito satisfatórios, ainda mais tendo em conta as idades. Os dois estavam na equipa desde muito jovens (Bouhanni chegou em 2010 e Démare no ano seguinte). A rivalidade foi sempre crescendo e em 2014 atingiu um nível que tornou impossível a convivência, principalmente quando Bouhanni ficou de fora do Tour, depois de no Giro ter vencido três etapas e a classificação por pontos. O melhor que Démare conseguiu nesse Tour foram dois terceiros lugares.

Bouhanni tornou bem claro para a FDJ: ou ele ou Démare. A equipa escolheu Démare e Bouhanni seguiu para a Cofidis, uma equipa de escalão inferior, mas que lhe dava garantias de ele ser a estrela e de estar no Tour. Sendo o escolhido para ficar na conjunto do World Tour, Démare parece ter sentido a pressão que essa decisão acarretava. Em 2015 nada lhe correu bem. Não houve um rasgo do Démare que se conhecia: zero vitórias e poucos resultados dignos de nota.

Já Bouhanni foi conquistando algumas vitórias e outras tantas quedas aparatosas que também lhe limitaram a temporada.

A pergunta era pertinente: teria a FDJ escolhido mal?

Os dois sprinters não podiam ser mais diferentes. Démare, mais calmo, calculista, discreto como pessoa e menos explosivo que Bouhanni, mas tacticamente inteligente como ciclista. Além de sprinter tem também qualidades para as clássicas e há muito que é apontado como perfeito para um Paris-Roubaix, por exemplo. Quanto a Bouhanni é um ciclista propenso a polémicas, sendo o que se pode chamar um "cabeça quente". É um sprinter explosivo e que não sabe o que é desistir. Já teve alguns problemas com outros ciclistas precisamente por, em algumas ocasiões, ter exagerado e colocado em perigo outros atletas. Ainda recentemente foi desclassificado no Paris-Nice quando quase atirou Michael Matthews contra as barreiras. Quanto a clássicas, a Milan-San Remo é de facto aquela que melhor lhe assenta e ele até esteve na luta (saltou-lhe a corrente durante o sprint). Démare ajusta-se a diferentes terrenos. Bouhanni é o que se apelida de um "sprinter puro"

Com a vitória na Milan-San Remo, Démare pode pelo menos respirar de alívio. A FDJ não escolheu mal. Mas não se livra ainda das dúvidas. A pergunta passa a ser: poderia a FDJ ter escolhido melhor. Démare tem de passar um grande teste: ganhar na Volta a França. Claro que se ganhar no Paris-Roubaix, pelo menos este ano ninguém lhe cobrará muito mais, mas eventualmente terá mesmo de mostrar-se no Tour, até porque Bouhanni dá indicações que estará em melhor condições de enfrentar o grande favorito Marcel Kittel.

A prova de Démare ainda continua. San Remo não lhe permite relaxar, apenas lhe dá a confiança que desesperadamente precisava e que se tinha esfumado em 2015.

Reboque ou potência, a polémica que ameaça marcar a vitória

Se já não bastava para Démare ter de provar que é o sprinter que a FDJ precisa e que foi a melhor escolha, agora tem de provar que venceu de forma limpa a Milan-San Remo. Surgiram acusações que terá sido "rebocado" pelo carro após a queda a 30 quilómetros da meta, que também envolveu Michael Matthews e tirou o australiano da equação.

O ciclista da FDJ defende-se dizendo que não fez batota e chega ao ponto de considerar que apenas está a ser acusado porque não gostaram de ver um francês de 24 anos ganhar a corrida deles (alusão ao facto de dois italianos estarem por trás da polémica: Matteo Tossato e Eros Capecchi). A organização informou que nada fará já que não existem provas visuais (vídeo ou fotografias). Mas outros ciclistas insistem e já se pede que sejam fornecidos os dados recolhidos pelo transponder da bicicleta para se tentar perceber se realmente houve ajuda na Cipressa, a penúltima dificuldade da clássica.

Démare tem todo o interesse em mostrar tudo. O ciclista diz que nada lhe retira o prazer da "mais importante vitória da carreira", mas se não quiser viver com a eterna suspeita - que o diga Cancellara que continua a ser falado sobre a utilização de um motor nas clássicas em 2010 - o melhor é abrir o livro para que apenas se tenha de preocupar em competir e não ser constantemente abordado (e perseguido) pela desconfiança que foi "rebocado".



18 de março de 2016

As lições do Tirreno-Adriatico (Peter Sagan aprendeu a mais importante da carreira)

Ameaçou ser um anti-clímax, mas afinal o Tirreno-Adriatico teve uma das edições que mais se há-de falar nos próximos anos. A anulação da única etapa de montanha e que, por norma, define a classificação geral, tirou a oportunidade aos supostos favoritos de se mostrarem (e não os deixou nada satisfeitos). O protocolo do tempo extremo foi accionado, tal como no Paris-Nice, mas neste caso transformou por completo a competição. De repente Stybar e Sagan viram a oportunidade de ganhar o Tirreno-Adriatico, quando lá estavam para preparar as clássicas. E mesmo sem montanha, o final foi absolutamente explosivo e memorável e, no caso de Peter Sagan, um momento que poderá  (e deverá) influenciar a sua carreira.

Peter Sagan: nunca o segundo lugar foi tão amargo

O eslovaco da Tinkoff esteve perto, mesmo muito perto, de conquistar a sua terceira prova de uma semana, um feito fantástico quando se fala de um ciclista com maior aptidão para sprints, classificações por pontos (que conquistou mais uma vez) e provas de um dia. Um segundo separou-o do famoso tridente do Tirreno-Adriatico. E sem tirar mérito à vitória de Van Avermaet, Sagan é o grande responsável pelo resultado.

Já soma mais de 30 segundos lugares. Se por um lado demonstra que é um ciclista que está constantemente na luta pela vitória, alguns revelaram ingenuidade e erros tácticos do eslovaco. O do Tirreno-Adriatico é o maior exemplo disso e dificilmente Sagan irá "digerir" esta derrota. Na penúltima etapa, a luta por um sprint intermédio a poucos quilómetros da meta permitiu que se formasse um grupo de luxo. Sagan tinha dois colegas, Stybar - então o surpreendente líder da geral - também tinha dois, juntando-se depois um solitário Greg Avermaet.

Sem surpresa, o belga da BMC deixou a maior parte do trabalho para a Tinkoff e Etixx. Até aí, tudo normal. No grupo estava ainda Kwiatkowski (Sky). Foi ele quem iniciou o sprint final, ainda longe da meta. Sagan reagiu, fechou o espaço, com Avermaet na roda (nesta altura já não havia colegas para ninguém e Stybar não teve capacidade para ir ao sprint.

Então deu-se o que rapidamente se percebeu ser um grande erro. A 400 metros da meta Sagan atacou, talvez tentando aproveitar a curva para surpreender. Muito, muito longe. Avermaet voltou a bater o eslovaco e já lhe chamam a besta negra do campeão do mundo.

Ainda assim, com um curto contra-relógio no final, quase só se falava que Sagan ia fazer história ao ganhar o Tirreno-Adriatico. Esteve ao seu nível, de facto, mas foi certamente subestimado o moral que uma camisola da liderança pode dar. No caso de Avermaet ajudou-o a fazer o contra-relógio da sua vida.

Um segundo separou os dois primeiros da geral. Um segundo que mudará a carreira de Peter Sagan. O eslovaco deixou fugir uma competição que dificilmente voltará a ter oportunidade de ganhar. Tudo porque voltou a cometer um erro de atacar cedo de mais e, provavelmente, porque trabalhou demasiado naquela fuga da penúltima de etapa, quando tinha dois colegas, enquanto Avermaet poupou-se.

Já este sábado Sagan poderá demonstrar como o Tirreno-Adriatico o fez evoluir como ciclista. Chega o primeiro monumento do ano, Milan-Sanremo, e o eslovaco ainda não tem nenhuma vitória nas cinco principais clássicas e também lhe falta uma vitória com a camisola de campeão do mundo. O regresso da maldição? Se Sagan evoluir tacticamente, não haverá maldição que resista.

Grande temporada de Greg van Avermaet

Aconteça o que acontecer no resto do ano, Avermaet já está a ter uma das melhores temporadas da carreira. Aos 30 anos quebrou o enguiço das provas de um dia na Bélgica ao vencer a Omloop e agora ganhou o Tirreno-Adriatico, algo que surpreendeu o próprio. Ele que até era conhecido como o coleccionador de segundos lugares, deu finalmente o salto para se tornar num ganhador e transformar-se um dos grandes favoritos para a época de clássicas. Não que já não o fosse, mas o respeito e a responsabilidade são diferentes.

Cancellara deixou o melhor para o fim?

O suíço da Trek já está a deixar saudades e ainda faltam meses até à reforma. Fabian Cancellara está a fazer um início de temporada fabuloso e no Tirreno-Adriatico juntou mais um triunfo no contra-relógio. A forma como o fez demonstra que Spartacus entra na época de clássicas e monumentos em excelente forma. Deixou, por exemplo, Tony Martin e Alex Dowsett a 15 segundos. Jogos Olímpicos, Mundiais, além das clássicas e claro do objetivo de conseguir uma camisola rosa no Giro começa a parecer difícil não ver Cancellara ter uma despedida de sonho.

Cannondale a cair/FDJ a voar

É uma das grandes questões que ficam do Tirreno-Adriatico: o que se passa com a Cannondale nos contra-relógios de equipa. Nova queda, no que parece tornar-se um desesperante hábito...

Já a FDJ está no lado oposto. A equipa francesa nunca foi conhecida por ser ou ter grandes especialistas de contra-relógio. No Tirreno-Adriatico colocou dois ciclistas no top dez e até Thibaut Pinot mostrou melhorias substanciais ao ficar apenas a 27 segundos de Cancellara. E no contra-relógio de equipas, a FDJ foi a terceira melhor! Boas indicações para Pinot que quer lutar com os melhores na Volta a França. Falta saber como estará a descer, um dos seus maiores handicaps.

Os portugueses

Os irmãos Gonçalves foram os portugueses que mais se viram no Tirreno-Adriatico. José Gonçalves está a prometer mais uma boa época, enquanto Domingos - a cumprir a época de estreia na Caja Rural - já revela que mereceu a aposta da equipa espanhola, que poderá contar com ele e com o seu espírito de lutador e de trabalhador. Ainda na Caja Rural, Ricardo Vilela comprova que está a melhorar a forma.

Tiago Machado foi ainda assim o melhor na classificação geral: 31º a 2:45 de Avermaet. Mas o português da Katusha teve uma presença discreta, ficando no apoio ao seu líder, Joaquin Rodríguez. Situação idêntica à de Nelson Oliveira. Ainda assim, o campeão nacional de contra-relógio teve a oportunidade para se mostrar na etapa final. O próprio admitiu que o 24º lugar a 25 segundos de Cancellara foi uma desilusão. Mas atenção ao português nas clássicas, com baterias apontadas para a Volta à Flandres e Paris-Roubaix.

A lição do tempo extremo

É bom ver que o protocolo do tempo extremo está a ser levado muito a sério, sem ser necessário actos de revolta dos ciclistas, como aconteceu no passado. No entanto, e se no Paris-Nice a anulação da etapa foi praticamente consensual, já cancelar a etapa rainha do Tirreno-Adriatico um dia antes provocou muitas críticas, principalmente por parte dos ciclistas que estavam em Itália para discutir a geral. Vicenzo Nibali encabeçou as críticas, ao colocar fotografias que mostravam que afinal no Monte san Vicino não havia a neve, ao contrário do que tinha sido indicado pela organização e motivado a anulação.

Talvez uma das razões para anular um dia antes tenha sido para evitar a situação do Paris-Nice, onde a etapa ainda decorreu por alguns quilómetros até ser cancelada. Entretanto alguns ciclistas acabariam por desistir, devido à exposição ao muito frio. No entanto, uma das questões acaba por ser também, por que razão não existem planos B em provas nas quais não é inédito o tempo prejudicar a realização das provas. Preparado com antecedência seria viável um plano B? Mesmo não sendo tão decisivo como o plano A, poderia evitar algumas críticas e principalmente parar o pelotão um dia, numa competição curta.

14 de março de 2016

Que indicações ficaram do Paris-Nice?

O Paris-Nice é uma das provas de uma semana que gera mais interesse, já que normalmente junta alguns dos grandes "voltistas". Não foi bem assim este ano. Dos três principais favoritos à vitória na Volta a França, só Alberto Contador esteve presente, com Chris Froome e Nairo Quintana a optaram por manterem-se longe da competição. Mas ainda assim, a prova francesa já permitiu tirar algumas ilações, seja de ciclistas a apontar ao Giro ou ao Tour. Já os que poderão aparecer nas clássicas, pouco se viu, com a excepção de Geraint Thomas que parte para esta fase da época extremamente motivado.

Alberto Contador em forma

O espanhol da Tinkoff tem sido do trio de favoritos ao Tour o que mais se tem mostrado neste início de temporada. Depois do pódio na Volta ao Algarve, Contador mostrou que estava no Paris-Nice para ganhar. E que exibição que fez quando chegaram as etapas decisivas no fim-de-semana. Atacou, contra-atacou e atacou mais um pouco. Reforma? Cada vez mais se deseja que não. Na última etapa, atacou a 50 quilómetros do fim, foi apanhado por Thomas e a Sky, voltou a fugir e por quatro segundos viu fugir a vitória na geral.

Além de Contador, também a Tinkoff parece estar mais ao nível do que o espanhol precisa, ao contrário do que aconteceu no ano passado, principalmente no Giro. Rafal Majka é um braço direito de luxo, ainda que na última etapa lhe tenha faltado as forças. Mas estamos apenas em Março. A contratação de Yuri Trofimov (ex-Katusha) pode ter parecido estranho, mas o russo acabou de mostrar que poderá ser muito importante nas montanhas.

Contador vai continuar a competir, com participações confirmadas na Volta a Catalunha e ao País Basco, antes de entrar num modo mais "discreto" na preparação rumo ao Tour.

A confirmação de Geraint Thomas e Sergio Henao

E vão duas provas de uma semana para o britânico. Sofreu (e muito) na última etapa, mas mostrou frieza durante a última descida, como no pormenor de ter um prato maior na bicicleta, já a pensar precisamente de ter de recuperar terreno para Contador após a subida. Poderá Thomas ser um ciclista para três semanas? O britânico da Sky será certamente um homem muito importante para ajudar um líder, neste caso Froome - ainda que não seja um Richie Porte, mas em 2015 já mostrou ser um gregário de luxo -, mas permanecem muitas dúvidas se terá capacidade para liderar numa grande volta. O próprio ciclista estará mais concentrado neste tipo de provas, de uma semana, e nas próprias clássicas. Será um ciclista a ter em conta para a Volta a Flandres e Liège-Bastogne-Liège.

Mas se há alguém que Thomas bem pode agradecer o triunfo é a Sergio Henao. O colombiano está claramente de volta ao seu melhor e quando o seu líder sofreu, Henao só faltou puxar com uma corda o britânico. E depois ainda teve aquele excelente trabalho de sacrifício na descide rumo a Nice. Sem Henao, Thomas dificilmente teria ganho o Paris-Nice.

Se Thomas será um braço direito muito importante para Froome, não será um Richie Porte. Poderá a Sky abdicar de Henao? O colombiano está escalado para o Giro, mas a continuar assim, será uma loucura deixá-lo de fora do Tour.

A inteligência de Rui Costa

Mais um top dez para o português. Equipa nem vê-la, praticamente, mas Rui Costa mostrou mais uma vez porque é um dos ciclistas mais inteligentes tacticamente no pelotão. Por sua conta para conseguir um bom resultado - de recordar que em 2015 foi quarto classificado, com o mesmo tempo que o segundo - Rui Costa manteve a calma quando tinha razões para entrar em pânico (quando o vento e a Sky provocou um corte no pelotão), nas subidas não entrou em loucuras e tentou ir com os melhores, manteve o seu ritmo quando Contador dava uns valentes "safanões" no grupo, acabou entre os melhores. Não foi o Rui Costa de 2015, mas o português vai mostrando que o nível de forma está a melhorar. Que venham as clássicas.

Richie Porte, o líder que a BMC procura?

Esta é uma corrida que o australiano muito gosta. Duas vitórias comprovam isso. Este ano quis mostrar que não foi só por estar numa super equipa como a Sky que conseguia ganhar. Porte esteve a bom nível no Paris- Nice. Bem no contra-relógio, mostrou-se forte nas subidas e discutiu a vitória até final. Ainda assim, é difícil ver em Porte um líder indiscutível na BMC. Irá à Volta a França, mas Tejay Van Garderen será o número um e Porte acabará com a função que tinha na Sky, o que poderá ser muito importante para o norte-americano. A BMC ganha certamente um plano B mais forte, caso Van Garderen volte a ter algum azar, ou não esteja no seu melhor.

Terá a Orica encontrado o seu voltista?

Sim... e não. Aos 23 anos Simon Yates não só revela ter um enorme potencial, como já o vai mostrando com bons resultados. Sétimo no Paris-Nice, Yates é claramente o ciclista que a Orica procura para as grandes voltas. No entanto, será difícil imaginar Yates alcançar algo de extraordinário na equipa australiana. Apesar das contratações de Rúben Plaza e Amets Txurruka, a Orica continua a ser uma equipa de clássicas e sprints. Não será surpresa ver Yates, mais cedo ou mais tarde, procurar outras equipas, a não ser que a Orica faça uma aposta mais forte em ciclistas, a pensar realmente em vencer uma grande volta. É um conhecido objectivo, mas veremos se o farão a tempo de segurar Yates.

Zakarin, o substituto de Rodríguez

O jovem russo foi uma das figuras do Paris-Nice: venceu uma etapa e ficou em quarto lugar. Já no ano passado Ilnur Zakarin tinha deixado indicações que a Katusha tinha o seu próximo ciclista para apostar nas grandes voltas. Venceu a Volta à Romandia e uma etapa no Giro, onde irá estar novamente este ano. Zakarin mostra grande potencial para as montanhas e de acompanhar os melhores. É de esperar que a Rússia volte a ter um ciclista a ter em conta para as grandes voltas, pelo menos, por agora, para lutar por um top dez, mas a Katusha certamente que terá planos ambiciosos para Zakarin, numa altura em que Rodríguez se aproxima do final da carreira.

Tom Dumoulin discreto

Para quem prepara o Giro, o holandês da Giant está ainda longe do seu melhor. Esteve bem no contra-relógio, mas falhou nas montanhas, passando de candidato ao pódio para fora do top dez. Porém, não se poderá dizer que o que aconteceu na Vuelta foi obra do acaso. Dumoulin não é ciclista de "explosões" (ao estilo Contador ou Aru), gosta de encontrar o seu ritmo e claro que tem no contra-relógio um ponte muito forte. Tem potencial, mas sofre do síndrome "falta de equipa". A Giant pensa mais em sprints e clássicas e claro que não ajuda ter perdido parte da equipa num atropelamento na pré-época. Ainda há tempo para Dumoulin apurar a forma para o Giro, mas dificilmente este holandês ficará na Giant por muito tempo se realmente quiser lutar pela geral de uma grande volta.

Tony Galopin para o Tour

Este ciclista francês vai impressionando pela forma como tem melhorado as suas características de trepador. Galopin aponta claramente a conseguir mais no Tour do que estar com a camisola amarela ou vencer uma etapa. Este ano no Paris-Nice não esteve na luta pela vitória, mas com mais ou menos sofrimento manteve-se com os melhores (algumas vezes ao lado de Rui Costa). Fica a ideia que o ciclista da Lotto Soudal quer piscar o olho a um possível top dez no Tour. Ainda terá que evoluir mais, mas as perspectivas são animadoras e está claramente a subir cada vez melhor.

O que esperar de Michael Matthews

Ainda não tinha competido este ano, mas meteu todos a falar dele num instante. Venceu o contra-relógio e mais uma etapa. Andou de amarelo até que as montanhas acabaram com o seu momento no Paris-Nice. Matthews é visto como um sprinter, mas demonstra ter qualidade para ser também um ciclista para as clássicas, não esquecendo que consegue ainda ultrapassar algumas subidas mais difíceis. Estará na Milano-San Remo e na Amstel Gold Race, mas o australiano poderá no futuro aparecer noutras provas de um dia como candidato às vitórias. Será aposta para o Tour e certamente que quererá discutir a camisola verde com Peter Sagan.

A neve prejudicou os melhores

A anulação da etapa que traria as primeiras dificuldades para os favoritos poderá ter tirado alguma da emoção à prova. Mas o destaque vai para o facto de a organização ter tido em conta que não havia condições, colocando em prática o protocolo do tempo extremo. Ainda houve quem colocasse a questão se não poderia ter existido um percurso alternativo, ou se a etapa até não deveria ter sido cancelada mais cedo. Esta regra ainda tem algumas arestas a limar, mas a julgar pelo o que se passou no fim-de-semana, emoção não faltou neste Paris-Nice, muito graças a um espectacular Alberto Contador.

10 de março de 2016

Alemanha faz as pazes com o ciclismo

Era um regresso anunciado e agora confirmado. A Alemanha vai voltar a ter a sua Volta. Depois de alguns anos de costas voltadas para a o ciclismo, o país faz as pazes com uma modalidade que desiludiu os alemães com os escândalos de doping, mas ainda assim continuou a ter atletas de topo. Há quase uma década que a prova não se realiza e a desilusão com o ciclismo era tal que até o Tour deixou de ser transmitido no país pela televisão pública.

No ano passado deram-se claramente os primeiros passos rumo a esta oferta de paz: a Volta a França voltou à televisão e até foi anunciado que em 2017 Düsseldorf irá receber a etapa inaugural do Tour. E logo em 2015 também se falou que a Volta a Alemanha estaria mais perto de regressar. Com o fulcral apoio da ASO (organizador do Tour e de outras grandes provas) a Alemanha terá assim em 2017 ou 2018 a sua Volta.

Kittel e Degenkolb, dois grandes nomes do ciclismo alemão
Num comunicado conjunto da ASO e da federação germânica, lê-se que as etapas serão pensadas para potenciar algumas das características principais dos ciclistas alemães, como o sprint e as clássicas, mas também a pensar nos jovens com talento para as voltas de três semanas.

E era algo expectável. Afinal este regresso acaba por ter como grande influência alguns dos grandes nomes do ciclismo actual, que apesar do país estar de costas voltadas para a modalidade, conquistaram e continuam a somar vitórias importantes, contribuindo para que fosse impossível a Alemanha não ver que é necessário pensar no futuro e não continuar a viver no passado. Marcel Kittel e John Degenkolb são os rostos deste sucesso alemão, juntamente com Andre Greipel e também Tony Martin, um campeão do mundo de contra-relógio.

No entanto, a Alemanha dificilmente esquecerá as confissões de Erik Zabel e mais tarde de Jan Ullrich, dois heróis da Volta a França que afinal recorreram ao doping. Com o escândalo de Lance Armstrong, a modalidade caiu em desgraça naquele país. Mas tal como a modalidade vai fazendo o seu caminho pós-Armstrong, a Alemanha faz o seu para acreditar novamente no ciclismo.

Claro que há também uma questão política a ter em conta: o facto de ser a ASO a envolver-se na competição - que rapidamente deverá ganhar importância - numa altura em que reforçou um longo braço de ferro com a UCI, ameaçando tirar a Volta a França do calendário principal, devido a um diferendo sobre a reorganização do ciclismo.

8 de março de 2016

Rui Costa abandonado

O início de 2016 está a comprovar o que desde 2014 tem sido penoso de ver: Rui Costa é um líder solitário. Este ano está ainda mais abandonado na Lampre. Sem Nelson Oliveira, o seu fiel escudeiro nos últimos dois anos, Rui Costa parece estar praticamente por sua conta, o que torna o seu grande objectivo desde que saiu da Movistar cada vez mais difícil. O campeão do mundo de 2013 (sim, a Lampre contratou um campeão do mundo, mas demora a dar-lhe a equipa que merece) continua focado em concretizar o sonho de um top dez na sua prova de eleição: a Volta a França. Como o vai fazer? Na Lampre será preciso um super Rui.

Desde que chegou à Lampre que o Tour não correu bem ao ciclista português. Duas infelicidades, mas ainda assim deu para perceber o quanto Rui Costa ficava isolado no momento em que Nelson Oliveira acabava o seu trabalho. E o Nelson merece todo o mérito pela lealdade que mostrava ao líder e, por isso mesmo, merece ainda mais que lhe tenha sido proporcionada a oportunidade de evoluir as suas capacidades natas, que o podem levar as grandes vitórias, além de, naturalmente, apoiar o seu líder. Curiosamente foi para a Movistar, precisamente a equipa onde Rui Costa se tornou num dos homens mais respeitados do pelotão internacional.

Na equipa espanhola Rui Costa evoluiu até se tornar num dos melhores a nível táctico. Os seus ataques em momentos perfeitos valeram-lhe os grandes triunfos na Volta a França e também nos Mundiais (neste caso também ajudou a forte ponta final frente a Rodríguez). Era óbvio que o português iria querer mais do que simplesmente trabalhar para Valverde ou Quintana. As vitórias de etapas ou em algumas provas de um dia não eram suficientes para um ciclista ambicioso como o Rui Costa.

A escolha da Lampre foi uma surpresa e de imediato levantou muitas dúvidas. Damiano Cunego, Filippo Pozzato e um jovem promissor Diego Ulissi eram três das figuras da equipa. Mas estariam eles dispostos a sacrificar o seu lugar de destaque? No final de Janeiro de 2014 chegou Chris Horner, que ostentava uma histórica vitória na Volta a Espanha. Mas o norte-americano nunca foi um dos braços direitos que Rui Costa precisava. Deu-lhe uma ajuda numa etapa do Tour e pouco mais. Longe de ser o apoio esperado pelo veterano.

Apesar de nem tudo estar a correr bem na Lampre, o português renovou até 2016. Porém, as primeiras impressões do Paris-Nice - que está a decorrer - tornam as perspectivas para este ano assustadoras. O Rui Costa é visto demasiadas vezes no pelotão sem nenhum companheiro por perto. Na primeira etapa quase perdeu tempo devido a um corte forçado pela Sky, que aproveitou o vento lateral para "partir" o pelotão. No seu blog, o ciclista português - o actual campeão nacional - explicou o que aconteceu: "Quando o tempo começou a melhorar, resolvemos tirar algum excesso de roupa, descaindo no pelotão até aos carros, a cerca de 50km para a meta. Nesse momento a Sky resolveu acelerar o ritmo com o objectivo de quebrar o grupo e ficarmos para trás."

E a pergunta é: porquê que o líder da equipa descaiu no pelotão para tirar roupa, ainda mais a 50 quilómetros do final e com a questão do vento a ter em conta? Um Contador, um Thomas, um Porte, um Dumoulin, não recuaram certamente quando quiseram tirar o excesso de roupa. Alguém das suas equipas fez esse trabalho.

O que parece ser um pequeno pormenor, deixa claro que os problemas da Lampre continuam. Rui Costa está demasiado desprotegido. O que se esperar do português em 2016? Com a sua inteligência táctica, Rui Costa é sempre um ciclista temido, ainda mais porque mesmo sem ter alguém da equipa a protegê-lo, consegue ter bons posicionamentos, pelo que é sempre candidato a vencer em algumas provas. Mas sem um bom apoio da equipa ficará sempre a sensação que o português fica aquém daquilo que é capaz.

Amstel Gold Race, Flèche Wallonne, Liège-Bastogne-Liège são as clássicas que se seguem depois do Paris-Nice e todas elas são provas nas quais Rui Costa é um nome a ter em conta. E claro, mesmo algo desamparado de pelo menos um fiel escudeiro, o quarto lugar no Paris-Nice de 2015 é algo que certamente quer melhorar. Depois do susto da primeira etapa, que venham as montanhas.

Mas em 2016 haverá outra grande questão a responder, além da dúvida se Rui Costa conseguirá lutar por o top ten no Tour. O contrato com a Lampre acaba este ano. Vai renovar ou estará na altura de mudar, podendo eventualmente ter de sacrificar o posto de líder? A época ainda está a começar, mas uma coisa é certa: equipas do World Tour estarão atentas ao português, um ciclista que é sinónimo de trabalho, dedicação e resultados.

7 de março de 2016

Women's World Tour: uma falsa partida

Armitstead venceu a Strade Bianche (foto:@L_ArmiTstead)
Era um arranque há muito esperado e há muito preparado. A Strade Bianche iniciou a nova era do ciclismo feminino, ou pelo menos assim se espera. Porém, acabou por ser uma falsa partida no que diz respeito a um dos pontos que a UCI colocou como indispensável para a criação da Women's World Tour: o "pacote promocional", como lhe chamaram. A nível de atenção dos media, houve alguma, principalmente nos sites especializados, mas recebeu alguma atenção a nível televisão, de certeza em Itália e provavelmente em Inglaterra, afinal foi Lizzie Armitstead quem ganhou.

Porém, para a primeira grande prova e ainda mais na Strade Bianche - que em dez anos conquistou um lugar de grande relevância no calendário masculino - a UCI descuidou a parte da imagens televisivas.

Quando em Setembro de 2013 Brian Cookson chegou à liderança da UCI, o ciclismo feminino tornou-se numa bandeira do seu mandato. Foi criada uma comissão que se preocupou exclusivamente em criar condições para o seu desenvolvimento. Na Suíça, um centro de treinos começou a receber muitas jovens que tiveram (e continuam a ter) a oportunidade de aprender e melhorar as suas capacidades de ciclista. Mas era necessária reformular as competições, que tornavam o ciclismo feminino no parente pobre da modalidade.

No entanto, como em muitas modalidades, aos poucos as mulheres foram conquistando o seu espaço enquanto se esperava pelas reformulações. Atraíram patrocinadores e atenção mediática, com algumas provas a serem transmitidas na televisão. Ainda assim, pouco para garantir um futuro mais promissor para as mulheres no ciclismo. A UCI falou com organizadores de provas e equipas. E no ano passado surge finalmente a confirmação: em 2016 arrancaria a primeira Women's World Tour.

São 17 provas entre corridas de um dia e de etapas, que contabilizarão 35 dias de competição. E para começar em grande, Itália marcou a estreia com a Strade Bianche. As melhores ciclistas estiveram e para ser tudo perfeito, a campeã do mundo venceu. Mas a própria Lizzie Armitstead parece ter algumas dúvidas sobre a Women's World Tour. Na conferência de imprensa de apresentação da corrida, a ciclista britânica limitou-se a dizer que ainda era cedo para falar sobre o novo formato.


Um dos pontos negociados pela UCI para a Women's World Tour foi o tal "pacote promocional". Basicamente significa ter atenção dos media e apostar em transmissões televisivas ou então de live streaming. Na Strade Bianche não houve nada, o que gerou de imediato algumas críticas.

A corrida até terá sido interessante a julgar pelas crónicas. Quanto a imagens, restam-nos alguns vídeos como o do canal do YouTube Voxwomen, dedicado precisamente ao ciclismo feminino. A próxima prova é já no sábado, na Holanda, com a Ronde van Drenthe (uma das competições que transita do extinto Mundial das mulheres) e Lizzie Armitstead é capaz de ter razão: vamos esperar para ver no que dá!



A título de curiosidade, os organizadores de provas de um dia são obrigados a convidar as 20 equipas com melhor posição no ranking UCI e nas provas por etapas, são as 15 melhores a ser chamadas.

5 de março de 2016

Ciclismo e patrocinadores: quando uma marca explora o potencial publicitário

Rentabilizar um patrocínio a uma equipa ou a uma prova de ciclismo é um desafio. Afinal não se vendem bilhetes, nem existe outro processo que signifique retorno imediato do dinheiro investido. Porém, apesar da crise que tantas dificuldades tem criado a esta modalidade, há quem veja no ciclismo uma excelente forma de publicitar a sua marca. Em países como Portugal, o ciclismo está em modo de sobrevivência há bastantes anos, mas noutros as empresas trabalham o ciclismo como uma das principais formas de publicidade.

É o caso da Bélgica. A Lotto Soudal é o mais recente caso de como uma empresa percebe como os ciclistas podem ajudar a rentabilizar uma marca. Para o Paris-Nice, a equipa anunciou que ia mudar de nome e equipamento. A Soudal viu a "ocasião perfeita" para fazer chegar ao público, não só francês, mas em vários países um pouco por todo o mundo uma das suas marcas.

No Paris-Nice e apenas no Paris-Nice a equipa será a Lotto Fix All. A marca pertence à Soudal que optou por esta mudança. Ponto importante: a UCI permite que as equipas alteram uma vez na temporada o equipamento. Em vez do tradicional vermelho, as camisolas serão brancas e cinzentas. A UCI também terá autorizado que o carro tenha o logotipo da Fix All.

"Esta é uma ocasião perfeita para colocar um dos nossos produtos na ribalta", explicou o CEO da Soudal, Dirk Coorevits. Uma visão que infelizmente não é partilhada por mais. 




Além de este tipo de manobras publicitárias - e não é a primeira vez que a Lotto recorre a este esquema -, existe também o acesso aos ciclistas para dar a cara pelas marcas. Neste caso específico, Tony Gallopin foi o escolhido para o anúncio, mas também nas redes sociais os ciclistas têm publicitado a mudança. Alguns com humor, como Andre Greipel.


Hoje em dia a exposição mediática vai muito além da televisão, com a internet e principalmente as redes sociais a serem muito aproveitadas. Os ciclistas são cada vez mais super estrelas com milhares de seguidores no Facebook, Twitter ou Instagram. Um enorme potencial publicitário.

Claro que os ciclistas ficam sujeitos a fazer anúncios que, se calhar, nem sempre se orgulham. Afinal é difícil esquecer Marcel Kittel e o champô Alpecin e que tantas paródia gerou na internet. Mas há que dizer que dificilmente haverá alguém melhor que o alemão (que entretanto mudou de equipa) para publicitar um champô... bom, talvez agora Peter Sagan.


1 de março de 2016

Mais um "atropelamento". Exigem-se medidas urgentes

Broeckx (Foto: Lotto Soudal)
Stig Broeckx é o mais recente nome na lista de ciclistas que sofreram quedas devido a motos ou carros durante competições. Era quase difícil acreditar no que se via nas imagens televisivas. A saga dos "atropelamentos" começou em 2016. O belga, de 25 anos, da Lotto Soudal foi atirado ao chão pela moto de assistência médica (que ironia!) a cerca de 30 quilómetros da meta na clássica Kuurne-Brussels-Kuurne. O assunto parecia estar um pouco esquecido, afinal, depois de um 2015 recheado de casos, é outro ano e o "entretenimento" tem sido com o doping mecânico. Mas o problema continua e fez mais uma vítima. Levantam-se as vozes contra a inércia da UCI, que demora a tomar uma decisão que proteja os ciclistas.


A questão não é nova, mas em 2015 ganhou proporção devido aos vários incidentes que afectaram alguns dos principais ciclistas do pelotão. Casos de Greg van Avermaet na clássica de San Sebastian (choque com uma moto), Jesse Sergent na Volta a Flandres (um carro de apoio neutro atirou-o ao chão), Jakob Fuglsang na Volta a França, Sérgio Paulinho e Peter Sagan (ambos da Tinkoff) na Volta a Espanha, os três todos vítimas de contactos com motos.

Recuando um pouco no tempo, Taylor Phinney quase acabou a carreira quando numa descida deparou-se com uma moto parada (em 2014, no campeonatos dos EUA) e Juan Antonio Flecha e Johnny Hoogerland tiveram um arrepiante acidente com um carro, com o holandês a cair no arame farpado na Volta a França em 2011.

Ao contrário do que Cédric Vasseur diz no site Cycling Weekly, a Lotto Soudal não está sozinha nesta luta. O director desportivo da BMC - equipa de Greg Avermaet -, Jim Ochowicz, já veio a público pedir medidas urgentes, recordando que já no ano passado pediu a intervenção da UCI. Ochowicz acusa mesmo a UCI de nada fazer, em declarações no Cycling News.

A UCI não pode continuar a ignorar um problema que está a colocar em risco carreiras (para não dizer nada mais grave) dos ciclistas. Praticamente todas as quedas têm provocado lesões graves e Stig Broeckx é a prova disso mesmo: partiu a clavícula, uma costela e magoou ainda a mão. A Lotto Soudal anunciou que o jovem belga, que estava escalado pela equipa para a época das clássicas, vai estar longe da competição durante várias semanas.

Exigem-se medidas, mas a UCI mantém um inconfortável silêncio.